Teocentrismo

O que ou quem é o centro e a causa de todas as coisas? Para o teocentrismo, Deus é quem cria o mundo e avalia as ações humanas.

O teocentrismo é uma doutrina filosófica hegemônica durante a Idade Média. Seu viés defende que Deus ou outra divindade é o centro de todas as coisas, ou seja, Ele é o responsável por colocar ordem no mundo e nos acontecimentos. Entenda o conceito, as características, diferenças com outras correntes e contrapontos que surgiram no Renascimento.

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O que é o teocentrismo

O teocentrismo é uma doutrina filosófica que considera Deus ou outro ser divino (em grego, theos significa divindade) como o centro e causa de todas as coisas, além de ser o responsável por ordenar o mundo. Essa visão de mundo foi adotada principalmente durante a Idade Média. Um dos filósofos que mais usou o teocentrismo em sua filosofia foi Santo Agostinho.

Segundo o teocentrismo, todas as esferas da vida (política, cultura, economia, direito etc.) são subjugadas aos preceitos e à vontade divina (sobretudo à religião judaico-cristã no período da Idade Média). Com isso, a Igreja Católica ganhou dominío e estabeleceu normas e condutas sociais. As guerras passavam pelo crivo dos religiosos, assim como os impostos. As comemorações e festividades eram voltadas para a religião e a nomeação de reis só acontecia com o reconhecimento do Papa.

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Características

Abaixo, conheça algumas características do teocentrismo:

  • Poder absoluto da Igreja e da fé cristã;
  • Deus é o centro de todas as coisas;
  • A verdade está na Bíblia;
  • Não aceitação de pensamentos científicos;
  • Negação da filosofia racional e das coisas materiais;
  • Punição para aqueles que pensavam de modo diferente (considerados como pecadores);
  • Geocentrismo como modelo cosmológico.

O teocentrismo, como doutrina filosófica, foi muito associado às ideias da Igreja na Idade Média, pois servia para justificar os poderes concedidos aos religiosos. Entenda o assunto no próximo tópico.

Teocentrismo na idade média

Na Idade Média (Alta Idade Média 476 e Baixa Idade Média 1492), o teocentrismo foi escolhido como doutrina hegemônica. Durante esse período, existia uma forte relação entre Estado e Igreja. Os reis justificavam o direito ao trono por meio de uma escolha divina, para isso, o Papa precisava reconhecer o reinado.

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Com a Igreja Católica adquirindo mais poder e representatividade, os reis ficavam submetidos aos religiosos. Isso porque, na visão teocêntrica, Deus é o centro de tudo e a Igreja é a representação de Deus na Terra. Caso não seguissem os preceitos impostos, as pessoas ‘perdiam’ a salvação da alma e o direito de casar, já o Estado perdia a proteção e muito dinheiro.

Dessa forma, os pensamentos e as ações divergentes eram considerados pecaminosos e hereges. Não por acaso, é durante esse período que as perseguições religiosas aumentaram e tribunais foram instalados, como a Inquisição. A Igreja também se posicionava a favor da visão cosmológica (acerca do cosmos/universo) do geocentrismo: a Terra é considerada o centro do Universo, portanto, circundada pelos demais astros.

Humanismo italiano

O movimento do humanismo foi uma resposta ao teocentrismo. Suas primeiras manifestações aconteceram no final da Idade Média e começo do Renascimento, perdurando por todo o período renascentista. Iniciado na Itália, sobretudo da cidade de Florença, no século XV, o humanismo foi um movimento intelectual, artístico e cultural pautado no antropocentrismo.

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Para o antropocentrismo, o homem passa a ser o centro das descobertas científicas e inovações tecnológicas, bem como da cultura e da filosofia. Dessa forma, o humanismo se opunha à visão teocêntrica defendida pela Igreja, pois considerada que a arte, a filosofia e a educação devem ser exaltadas.

O Renascimento foi um movimento italiano que se expandiu pelo continente europeu. Por meio da recuperação da cultura da Antiguidade Clássica (grega e romana), desenvolveu-se uma nova visão de mundo, que buscava uma formação universal das capacidades humanas. Nesse período, os mecenas (o mais importante é o florentino Lorenzo de Medici) começaram a financiar artistas e escolas de artes. Entre os grandes pintores e escultores dessa época, estão Botiicelli, Michelangelo e Leonardo da Vinci.

A ciência evolui bastante, tanto que grandes personalidades científicas importantes até hoje atuaram durante o renascimento, como Copérnico, o desenvolvedor do modelo heliocêntrico, defendendo que o Sol era o centro do Sistema Solar e que os demais astros estariam a sua volta.

Teocentrismo X antropocentrismo

Enquanto o teocentrismo defende a centralidade de Deus, o antropocentrismo argumenta que Deus existe e é o criador do universo, mas o centro da vida terrena (que deve ser considerada e apreciada) é o homen. A visão teocêntrica não aceita que a vida material tenha um papel relevante, uma vez que a paz e a felicidade estão no reino do Céu. Para o antropocentrismo, no entanto, a vida presente merece ser vivida e deve ser preenchida com arte, beleza e filosofia.

A verdade, para o teocentrismo, só pode ser obtida por meio das escrituras sagradas. Apenas o que está na Bíblia é a verdade. Já na visão antropocêntrica, a Bíblia é um documento de fé e atesta algumas verdades, mas não é o único parâmetro. A ciência, a experimentação e o desenvolvimento também são instrumentos para chegar à verdade.

É importante ressaltar que os pensadores antropocêntricos não contrariavam a existência de Deus, tampouco negavam a criação. A proposta era valorizar o humano e entendê-lo como parte da criação que merece se desenvolver da melhor forma possível, atingindo suas máximas potencialidades.

Exemplos de sociedades teocráticas

Quando a doutrina teocêntrica é elevada ao campo político, surge a chamada teocracia (do grego, theos = Deus e kratos = governo, poder). Os governos teocráticos remontam ao início das primeiras civilizações, por exemplo, no Antigo Egito. Naquela época, as pessoas explicavam todos os fenômenos naturais e sociais por meio dos deuses. Isso começa a mudar quando o homem assume o papel de agente político central, como na democracia grega.

No entanto, governos teocráticos, ou seja, aqueles cujos governantes se veem como a encarnação ou como a descendência do divino e cujas leis são baseadas ou pautadas pelas escrituras sagradas, ainda existem. Veja alguns exemplos:

  • Vaticano: exemplo de teocracia católica, o Vaticano é o Estado governado pelo Papa, que tem poder absoluto. Ainda que existam outros poderes (legislativo e judiciário), eles não diminuem o poder papal, haja vista que tudo parte do Papa e ele tem o poder de criar ou extinguir órgãos. O Estado do Vaticano dispõe da Lei fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, texto que traz as diretrizes de ações e de papeis de cada órgão e dos poderes do Papa.
  • Arábia Saudita: seguindo a religião islâmica, a Arábia Saudita é uma monarquia teocrática. Por praticarem a religião do Islã, o Alcorão (escritura sagrada) e a Sunnah (obra que narra os caminhos do profeta) são as principais fontes para a construção do sistema legal religioso, chamado de Xaria (ou Sharia). A Xaria não é uma constituição, é um sistema legal (como a common law ou o sistema romano-germânico). Além disso, o Alcorão e a Sunnah são a base constitucional do país. Por ser um sistema rígido e, muitas vezes, desumano, aqueles que contrariam os preceitos religiosos (como não seguir o Islã) ou não agem de acordo com o que foi preestabelecido, são punidos, inclusive com pena de morte justificada pelo Alcorão.

Outros países teocráticos que valem ser mencionados são o Irã e Afeganistão. Muitas violências são praticadas e justificadas pelos preceitos religiosos. Além disso, ao longo da história, o sistema teocrático já protegeu os crimes de muitas pessoas poderosas. No próximo tópico, continue estudando sobre o assunto.

Orbitando pelas questões do teocentrismo

Confira três vídeos que se referem às questões levantadas pela doutrina teocêntrica: seu papel na Idade Média, a diferença entre o teocentrismo e o antropocentrismo, mostrando o que defendia cada doutrina e, por fim, as visões cosmológicas que estavam em disputa.

Igreja e teocentrismo na Idade Média

Um vídeo muito ilustrativo para entender o papel da Igreja fundamentada pelo teocentrismo durante a Idade Média. O professor explica a diferença entre a doutrina filosófica do teocentrismo e a instituição da Igreja Católica.

Teocentrismo e antropocentrismo: diferenças

Com o vídeo do professor Justino, você aprenderá sobre as principais características do teocentrismo e do antropocentrismo. Além disso, há uma comparação entre as duas visões, mostrando as divergências, entre elas, o conceito de verdade e de natureza.

Geocentrismo e heliocentrismo

Nesse vídeo divertido do Canal Um Sábado Qualquer, é possível acompanhar o desenvolvimento da visão cosmológica ao longo da história, de Aristóteles à Galileu. O vídeo mostra como eram explicados os modelos geocêntricos (sendo o ptolomaico o adotado pelo teocentrismo medieval) e como se chegou à conclusão do heliocentrismo.

Gostou da matéria? O teocentrismo é muito importante para entender como a Bíblia e os nomes das divindades podem ser usadas pelas entidades de poder. Aproveite para estudar sobre o período da Escolástica.

Referências

Confissões – Santo Agostinho (2017)
As Revoluções dos Orbes Celestes – Nicolau Copérnico (2014)
Sobre o infinito, o universo e os mundos / Giordano Bruno. O ensaiador / Galileu Galilei. A cidade do sol. BRUNO, G.; GALILEI, G.; CAMPANELLA, T. – (1983)

Marilia Duka
Por Marilia Duka

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá em 2016. Graduada em Letras Português/Francês na Universidade Estadual de Maringá em 2022.

Como referenciar este conteúdo

Duka, Marilia. Teocentrismo. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/filosofia/teocentrismo. Acesso em: 26 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [Mackenzie (2009)]

“A natureza, ao dar-vos um filho, vos presenteia com uma criatura rude, sem forma, a qual deveis moldar para que se converta em um homem de verdade. Se esse ser moldado se descuidar, continuareis tendo um animal; se, ao contrário, ele se realizar com sabedoria, eu poderia quase dizer que resultaria em um ser semelhante a Deus.” – Erasmo de Roterdã

No trecho anterior, datado de 1529, do filólogo e pensador da cidade holandesa de Roterdã, encontra-se manifesta a presença do pensamento:

A) teocentrista, priorizando a ideia do sobrenatural e da ligação do Homem com o divino.

B)experimentalista, em que todo e qualquer conhecimento humano se daria por meio da investigação científica.

C)escolasticista, doutrina que admitia a fé como a única fonte verdadeira de conhecimento.

D)antropocentrista, valorizando o Homem e suas obras como base para uma visão mais racional do mundo.

E)epicurista, apontando para uma postura ideológica que configurou a transição para a Idade Moderna.

A alternativa D é a correta.
O trecho aponta ideias antropocêntricas para a criação de um filho. No entanto, ainda existem resquícios do pensamento teocêntrico.

2. [UNICAMP (2012)]

De uma forma inteiramente inédita, os humanistas, entre os séculos XV e XVI, criaram uma nova forma de entender a realidade. Magia e ciência, poesia e filosofia misturavam-se e auxiliavam-se, numa sociedade atravessada por inquietações religiosas e por exigências práticas de todo gênero.

(Adaptado de Eugenio Garin, Ciência e vida civil no Renascimento italiano. São Paulo: Ed. Unesp, 1994, p. 11.)

Sobre o tema, é correto afirmar que:

A) O pensamento humanista implicava a total recusa da existência de Deus nas artes e na ciência, o que libertava o homem para conhecer a natureza e a sociedade.

B)A mistura de conhecimentos das mais diferentes origens – como a magia e a ciência levou a uma instabilidade imprevisível, que lançou a Europa numa onda de obscurantismo que apenas o Iluminismo pôde reverter.

C)As transformações artísticas e políticas do Renascimento incluíram a inspiração nos ideais da Antiguidade Clássica na pintura, na arquitetura e na escultura.

D) As inquietações religiosas vividas principalmente ao longo do século XVI culminaram nas Reformas Calvinista, Luterana, Anglicana e finalmente no movimento da Contrarreforma, que defendeu a fé protestante contra seus inimigos.

A alternativa C é a correta.

As inspirações para as reformas culturais e políticas do humanismo italiano vêm da Grécia Antiga, por isso, o nome Renascimento, marcando o renascimento das obras de arte e inspirações políticas da antiguidade.

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