Marília de Dirceu

Liras de um amor pastoril interrompido pela prisão do pastor apaixonado. Conheça detalhes da obra.

A obra Marília de Dirceu foi escrita por Tomás Antônio Gonzaga e publicada em 1792. De cunho autobiográfico, o amor do poeta por uma brasileira é versificado com lirismo e candura. Essa obra é tão importante para a construção da literatura brasileira que a cidade Marília, no centro-oeste paulista, foi batizada em sua homenagem. Continue a leitura para saber mais!

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Resumo da obra

Capa do livro Marília de Dirceu. Fonte: Martin Claret

Marília de Dirceu é um longo poema lírico sobre a história de amor entre dois pastores de ovelhas. O poeta luso-brasileiro Tomás Antônio Gonzaga, com quarenta anos, se apaixonou pela brasileira Maria Joaquina Dorotéia Seixas, que tinha dezesseis anos na época em que eles se conheceram em Ouro Preto. Quando a moça completou dezoito anos, eles ficaram noivos. No entanto, Gonzaga foi preso e o noivado cancelado. Por um tempo, o casal se comunicou por cartas com os pseudônimos Marília e Dirceu.

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Assim, Dirceu é o Eu lírico de Gonzaga, e Marília é o sujeito lírico de Maria Joaquina. No decorrer das estrofes, Dirceu fala do seu desejo de viver uma vida simples ao lado de sua amada, que é idealizada pela sua beleza e gentileza. A natureza bucólica emoldura esse amor em um cenário pastoril repleto de harmonia. No entanto, esse cenário é invadido pela solidão e melancolia quando Dirceu é preso por se envolver com a Inconfidência Mineira. Por fim, resta a saudade do amado.

Personagens

No século XVIII, inspirados pelas ideias Iluministas, era muito comum os poetas usarem pseudônimos de pastores para exaltar a natureza, o amor e a morte em oposição ao ser humano corrompido pela sociedade. Assim, em Marília de Dirceu, os sujeitos líricos correspondem ao pastoralismo, ao desejo de uma vida simples e à idealização da mulher amada. A seguir, saiba mais!

  • Marília: uma jovem camponesa. Aos olhos de Dirceu, sua beleza é deslumbrante, pura e angelical.
  • Dirceu: um jovem pastor de ovelhas apaixonado por Marília. Corajoso e forte, ele é respeitado pelos outros pastores.

Marília e Dirceu são protagonistas de uma história de amor que não pode ser concretizada. Ciente da efemeridade da vida, o Eu lírico louva sua amada e, em suas aspirações solitárias, deseja viver com ela o “carpe diem”, isto é, gozar o momento presente.

Estrutura da obra

As liras de Marilía de Dirceu são divididas em três partes, nas quais o Eu lírico suspira de amor pela sua musa imaculada. É tão grande o sentimento que, em determinado momento, Dirceu chega a desejar a morte e o sepultamento dos corpos lado a lado na eternidade. Confira as características de cada parte:

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  • Parte I: composta de 33 liras e publicada em 1972. Anterior à prisão de Dirceu. O Eu lírico demonstra um amor juvenil e ansioso, ora declarando seus sentimentos, ora com medo de não ser correspondido. A beleza de Marília é exaltada e adorada.
  • Parte II: composta de 38 liras e publicada em 1979. Escrita durante a prisão. O Eu lírico continua louvando Marília. Também há a presença de uma grande saudade e a solidão de estar apartado de sua amada. O pessimismo de Dirceu antecipa características do Romantismo.
  • Parte III: composta de 9 liras, 13 sonetos e publicada em 1812. Há questionamentos se a terceira parte realmente foi escrita por Gonzaga. O mais aceito é que os poemas reunidos foram, sim, escritos pelo autor em um momento anterior às duas outras partes. Marília aparece como musa do Eu lírico, no entanto, há poemas em que outras pastoras são igualmente louvadas.

As três partes são equilibradas com uma linguagem simples que harmoniza o amor com características árcades, demonstrando repúdio pela vida citadina e um forte grau de racionalidade. A seguir, entenda as influências desse poema.

Análise

É impossível compreender o poema Marília de Dirceu sem considerar a vida de Gonzaga, o contexto histórico no qual o poeta está inserido, bem como as características do Arcadismo. Sendo assim, a seguir, aprofunde-se um pouco mais nesses pontos relevantes.

Contexto histórico

O século XVIII foi marcado por um período de grandes revoluções. Conhecido também como “século das luzes” ou “século da razão”. Inicialmente na Europa, com rápida disseminação nos outros continentes, os pensamentos iluministas alastraram a burguesia, que criticava o clero e os nobres, almejando um retorno ao mito natural. No campo da cultura, os artistas se opunham aos rebuscamentos exagerados do Barroco, por meio do Arcadismo. Entenda mais sobre esse movimento.

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Escola literária

O Arcadismo surgiu na Europa durante o século XVIII. O movimento é uma referência à Arcádia, uma região campestre, da Grécia Antiga, considerada ideal para as inspirações poéticas. A principal característica desse movimento é a exaltação da natureza em busca de uma vida simples. Com forte influência europeia, Tomás Antônio Gonzaga foi um dos maiores representantes do Arcadismo no Brasil. Em suas obras, é possível notar: o bucolismo; o desejo de fugir da cidade; o racionalismo; a preocupação formal com o poema; e a presença do pseudônimo.

No Brasil, o Arcadismo também coincidiu com o Ciclo de Ouro. Vila Rica, hoje conhecida como Ouro Preto (cidade na qual Gonzaga conheceu sua amada), foi o nicho das obras árcades. Nessa mesma época, ocorreu a Inconfidência Mineira, da qual participaram muitos poetas, inclusive Gonzaga. A seguir, confira alguns trechos que apresentam características do Arcadismo.

Trechos da obra

Nos trechos selecionados, é possível perceber aspectos das três partes do poema. A exaltação da musa, o pastoralismo, a natureza idílica e o desejo de uma vida simples. Também há a saudade do Eu lírico apartado da sua amada. Acompanhe:

  • “É bom, minha Marília, é bom ser dono
    De um rebanho, que cubra monte e prado;
    Porém, gentil pastora, o teu agrado
    Vale mais que um rebanho e mais que um trono.”

  • “Que havemos de esperar, Marília bela?
    que vão passando os florescentes dias?
    As glórias que vêm tarde, já vêm frias,
    e pode, enfim, mudar-se a nossa estrela.
    Ah! não, minha Marília,
    aproveite-se o tempo, antes que faça
    o estrago de roubar ao corpo as forças,
    e ao semblante a graça!”

  • “Para viver feliz, Marília, basta
    Que os olhos movas, e me dês um riso.”

  • “Enquanto revolver os meus consultos.
    Tu me farás gostosa companhia,
    Lendo os fatos da sábia mestra história,
    E os cantos da poesia.”

  • “Com retorcidas unhas agarrado
    Às tépidas entranhas não me come
    Um abutre esfaimado;
    Mas sinto de outro monstro a crueldade:
    Devora o coração, que mal palpita,
    O abutre da saudade.”

Para o Eu lírico, a felicidade plena só é possível ao lado de Marília. Cativo do amor, a separação desencadeia tristeza e solidão. Além disso, nota-se um ardiloso trabalho com a forma do poema, há rimas, ritmo, assonância e aliteração, em um equilíbrio formal que contribui à construção de um cenário onírico.

O Autor: Tomás Antônio Gonzaga

Wikimedia

Tomás Antônio Gonzaga nasceu em 11 de agosto de 1744, em Miragaia, Porto. Foi um jurista, ativista político, que participou da Inconfidência Mineira, e poeta. Filho de pai brasileiro, viveu parte da sua vida em Portugal, para concluir os estudos, e a outra parte no Brasil. Apaixonado por Maria Joaquina Dorotéia, adotou o nome arcádico de Dirceu para compor suas liras que lhe garantiu o título de um dos poetas mais influentes do Arcadismo. Exilado em Moçambique, casa-se com Juliana Mascarenhas. A data da sua morte é incerta, sabe-se que ele faleceu entre 1809 e 1810.

Vídeos sobre dois corações e uma prisão

Chegou o momento de revisar tudo o que você aprendeu até aqui. Por isso, confira, nessa seleção de vídeos, as melhores informações e curiosidades que te deixarão ainda mais apaixonado pela história desse poeta que não conseguiu viver o seu grande amor. Assista!

A vida e obra de Tomás Antônio Gonzaga

Nesse vídeo, o professor Lucas Limberti visita a casa na qual viveu Gonzaga, em Ouro Preto, para uma aula sobre a vida e a obra do poeta. Assista e compreenda as influências pessoais que estão presentes em Marília de Dirceu.

Arcadismo no Brasil: características e principais autores

Para compreender Marília de Dirceu, é importante conhecer o Arcadismo. Nesse vídeo, o professor Noslen aborda o movimento literário e o contexto histórico, repleto de descontração. Assista!

Análise literária de Marília de Dirceu

Quer se aprofundar ainda mais nas liras de Marília de Dirceu? Então, você precisa assistir esse vídeo! O professor Pablo Jamilk faz uma análise literária da obra, ressaltando os aspectos mais importantes. Confira!

Marília de Dirceu é uma obra inspiradora, não é mesmo? Se ainda não leu, ela merece entrar para a lista de leituras! Aproveite para conhecer mais sobre o Arcadismo no Brasil e bons estudos!

Referências

Marília de Dirceu – Tomás Antônio Gonzaga
História concisa da literatura brasileira – Alfredo Bosi

Por Suélen Domingues
Como referenciar este conteúdo

Domingues, Suélen. Marília de Dirceu. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/marilia-de-dirceu. Acesso em: 25 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UEL]

Assinale a letra correspondente à alternativa que preenche corretamente as lacunas do trecho apresentado.

Simplificando a linguagem lírica de Cláudio Manuel da Costa, mas evitando igualmente a diluição dos valores poéticos no sentimentalismo, as ………….. mais densas, dedicadas a …………., fizeram de ………….. uma figura central do nosso Arcadismo.

a) crônicas – Marília – Dirceu.
b) crônicas – Gonzaga – Dirceu.
c) sátiras – Dirceu – Gonzaga.
d) liras – Gonzaga – Dirceu.
e) liras – Marília – Gonzaga.

Resposta: E

Tomás Antônio Gonzaga simplifica a linguagem de suas liras, porém, sem perder a responsabilidade formal. Essas liras foram dedicadas à Marília e consagrou Gonzaga no Arcadismo.

2. [UEL]

Tomás Antônio Gonzaga certamente adotou os valores da poesia neoclássica, mas em MARÍLlA DE DIRCEU
a) percebe-se o quanto o poeta desprezava as convenções do bucolismo literário.
b) ainda ocorrem torneios de linguagem nitidamente barrocos.
c) a sátira ao Governador de Minas faz lembrar os momentos mais ferinos de Gregório de Matos.
d) a convenção bucólica combina-se com um confessionalismo amoroso que já foi reconhecido como pré-romântico.
e) a amada do poeta deixa de ser associada à figura convencional da pastora.

Resposta: D

Em Marília de Dirceu, principalmente na segunda parte, percebe-se nas descrições pessimistas e na saudade do Eu lírico algumas características que antecipam o Romantismo.

3. [MACK]

Ornemos nossas testas com as flores,
e façamos de feno um brando leito;
prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
gozemos do prazer de sãos amores (…)
(…) aproveite-se o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças
e ao semblante a graça.
Tomás Antônio Gonzaga
Quanto ao estilo, os versos
a) revelam a presença não só de formas mais exageradas de inversão sintática – hipérbatos -, como também de comparações excessivas, resíduos do estilo cultista.
b) comprovam a predileção pelo verso branco e pela ordem direta da frase, característicos da naturalidade desejada pelos poetas do Arcadismo.
c) denotam – pela singeleza do vocabulário, pela sintaxe quase prosaica – a vontade de alcançar a simplicidade da linguagem, em oposição à artificialidade do Barroco.
d) organizam-se em torno de antíteses, na busca de caracterizar, em atitude pré-romântica, o amor ideal e a pureza do lavor da terra.
e) constroem-se pelo desdobramento contínuo de imagens, compondo um quadro em que a emoção é tratada de modo abstrato, de acordo com a convenção árcade.

Resposta: C

Uma das características do Arcadismo é a simplicidade da linguagem em oposição ao Barroco. Essa simplicidade pode ser notada nos versos de Gonzaga.

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