Lugar de fala

O lugar de fala é um conceito que tem como objetivo criar uma consciência maior a respeito das desigualdades sociais e como elas afetam as experiências de quem fala. Saiba mais sobre esse assunto.

Carolina Maria de Jesus já dizia que “só quem passa fome é que dá valor à comida”. Assim, o conceito de lugar de fala busca valorizar o discurso de sujeitos ou populações historicamente menos ouvidas. Muitas vezes, a apropriação cultural tira o protagonismo das minorias e cria barreiras para quem de fato vivencia a margem da sociedade. Por isso, saiba mais sobre o tema neste tópico.

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Índice do conteúdo:

O que é o lugar de fala

O lugar de fala é um conceito que serve para mostrar como duas pessoas com histórias de vida distintas podem ter coisas muito diferentes a dizer. Sobretudo, essas diferenças revelam que as desigualdades de poder existentes na sociedade silenciam os sujeitos marginalizados. Ao não ter um local de fala, esses sujeitos não conseguem expressar seus desafios.

Assim, o conceito de local de fala advém dos debates teóricos do feminismo que, historicamente, procuraram dar importância às histórias e às experiências sobre machismo contadas por mulheres. Atualmente o movimento feminista também percebeu que as mulheres negras, por serem duplamente colonizadas, também precisam de mais espaço para expor suas experiências.

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Mulher, negra, favelada e escritora, Carolina Maria de Jesus fez um retrato da pobreza e da violência no Brasil pela perspectiva de quem as vivenciou.

De que lugar se fala?

O lugar de fala é um conceito que revela como ninguém é neutro quando diz sobre alguma coisa. Não é que as pessoas tenham segundas intenções ou estejam “tramando algo” enquanto conversam. Ao contrário, isso significa que, mesmo sem ter escolhido, cada um cresceu em lugares diferentes da sociedade e que, a depender de seu gênero, raça, ou classe, teve experiências de vida muito diferentes. Tais experiências moldam como a pessoa interpreta a realidade e aparecem em seu discurso.

As histórias de vida podem limitar alguém a enxergar algo de uma determinada forma ou podem dificultar a compreensão da gravidade de um assunto específico, uma vez que o indivíduo nunca viveu aquilo na pele. Certas experiências de violência podem se enquadrar nisso.

Assim, o lugar de fala é um conceito que procura mostrar essas diferenças e valorizar o discurso de pessoas que vivenciaram desigualdades sociais quando falarem sobre suas experiências.

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A importância do lugar de fala

A comunicação é uma das habilidades do ser humano que mais exige empatia. Ao tirar a oportunidade de fala de um sujeito, a sociedade deixa de validar certa vivência. Com isso, as pessoas deixam de lutar por alguns direitos, simplesmente porque na vivência pessoal delas não há a necessidade de mudanças.

Em suma, não é possível discutir sobre local de fala sem debater as desigualdades sociais. Por exemplo, o lugar que uma pessoa negra ocupa na sociedade brasileira é muito diferente do lugar social em que uma pessoa branca está. Por exemplo, de acordo com uma pesquisa de 2019 do IBGE, mesmo a população negra sendo a maioria no Brasil, apenas 30% de cargos de liderança em empresas são ocupados por pessoas negras.

Assim, se uma pessoa negra e uma pessoa branca conversam sobre racismo no Brasil, é muito possível que elas tenham coisas muito diferentes a dizer. Isso não quer dizer que elas discordem necessariamente entre si, pois o objetivo do lugar de vala é dar oportunidade para essas contribuições distintas sobre o mesmo assunto. Dessa forma, a sociedade consegue validar as vivências dos sujeitos que estiveram sempre à margem e lutar por seus direitos.

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Consequentemente, o conceito de lugar de fala é uma tentativa de refletir e valorizar o ponto de vista de populações que, historicamente, são subjugadas na sociedade. Além disso, ao discutir o assunto, as pessoas podem se tornar mais atentas a tais desigualdades e como elas moldam o olhar e as opiniões de cada um.

Como usar o conceito de lugar de fala

É muito comum pensar que falar sobre lugar/local de fala é um debate sobre quem pode ou não falar sobre um determinado assunto. Contudo, esse conceito não serve para julgar ou autorizar pessoas a falarem (ou não).

Como já dito, a ideia do lugar de fala é valorizar as histórias de pessoas que possuem pouca voz na sociedade, para que possam, elas mesmas, contar suas vivências e experiências. Além disso, é um modo de tornar as pessoas mais sensíveis às desigualdades sociais que existem na sociedade. É dessa forma que se cria consciência de classe e, quem sabe algum dia, rompe-se com formas de poder excludentes e marginalizadoras.

Portanto, não se trata de autorizar alguém a falar ou não. O objetivo de refletir sobre o local de fala é pensar e refletir que as origens sociais de cada um – em termos de raça, classe, gênero, etc. – estão sempre relacionados com o que se fala e o que se pensa. Nesse sentido, um debate público sobre racismo que tem apenas pessoas brancas para falarem do assunto, por exemplo, mostra uma insensibilidade desse grupo, pois não valida o discurso de quem realmente importa: o sujeito negro. Assim, é preciso multiplicar as vozes em termos dos lugares de onde as pessoas falam.

Diferença entre lugar de fala e representatividade

Se o lugar de fala não diz respeito à autorização de quem pode ou não dizer sobre um assunto, significa, por exemplo, que quando um homem branco analisa o racismo, ele sempre o faz a partir do seu lugar de homem branco.

Assim, a discussão feita por esse homem pode ser importante e até pode contribuir para o debate, mas ela não substitui e nem retira a necessidade de se ter as perspectivas de pessoas negras que experienciam o racismo.

Nesse contexto, a representatividade é importante para dar relevância política para as mulheres falarem sobre o feminismo ou para as pessoas negras falarem sobre o antirracismo. Esse tipo de prática cria identificações coletivas que fortalecem os movimentos sociais e aumentam as possibilidades de transformação.

Vídeos sobre o lugar de fala

Agora que você já sabe o que é local de fala e qual a importância desse conceito para construir uma sociedade melhor, que tal se aprofundar no assunto com a seleção de vídeos a seguir?

Afinal, o que significa lugar de fala?

Que tal começar seus estudos ouvindo a explicação do conceito por uma voz marginalizada? Neste vídeo, Rita explica o que se trata o local de fala se uma forma extremamente precisa e reflexiva. Afinal, “o lugar de fala não é um dado proibitivo do discurso, é um dado analítico do discurso”.

Posicionamentos neutros existem?

Nesse vídeo, o professor André Azevedo reflete sobre as análises do discurso. Esse debate é muito importante, pois a discussão sobre o local de fala diz respeito a um reconhecimento de que posições sociais neutras não existem. Acima, confira um debate sobre esse assunto na educação.

Igualdade e racismo estrutural

Somos todos iguais? Pensar o lugar de fala significa refletir sobre o quão diferente pode ser o que duas pessoas com experiências muito distintas têm a dizer. Um dos fatores que afetam as histórias de vida individuais é o racismo estrutural. Saiba mais sobre isso nesse vídeo.

Dialogando com lugar de fala

Para se aprofundar mais no assunto e saber como entender o lugar de fala de pessoas que estudam um grupo do qual não são parte, confira a discussão do vídeo acima, muito profundo e cheio de reflexões necessárias.

Desse modo, o lugar de fala é um conceito útil, pois incentiva a reflexão sobre as vivências pessoais de um sujeito na hora do discurso e até mesmo em como se posicionar politicamente. Para seguir adiante no tema, confira a matéria sobre inclusão social.

Referências

O que é lugar de fala? (2017) – Djamila Ribeiro;
Quarto de despejo (1960) – Carolina Maria de Jesus.

Mateus Oka
Por Mateus Oka

Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.

Como referenciar este conteúdo

Oka, Mateus. Lugar de fala. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/lugar-de-fala. Acesso em: 26 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UERJ]

No último mês de janeiro, nas comemorações do Dia de Martin Luther King,
propagou-se, mais uma vez, a frase Black lives matter “Vidas negras importam”, que surgiu nos protestos gerados pela morte de jovem negro, em agosto de 2014, na cidade norte-americana de Ferguson. A utilização dessa frase nas comemorações de 2015 aponta para uma contradição existente entre uma característica da ordem política norte-americana e um impedimento ao pleno exercício dos direitos civis. Essa característica e esse impedimento, respectivamente, são:
a) prevalência do republicanismo e existência de grupos paramilitares
b) legitimidade do associativismo e regulação dos movimentos populares
c) vigência do ideal democrático e permanência de desigualdades étnicas
d) garantia da liberdade de manifestação e monitoramento das redes sociais

Resposta: c
Justificativa: uma das grandes contradições que os ideias do liberalismo, do progressismo e da democracia liberal precisam lidar é a convivência de valores que prezam pela liberdade e, ao mesmo tempo, dos preconceitos e desigualdades sociais.

2. [ENEM]

TEXTO I
Ela acorda tarde depois de ter ido ao teatro e à dança; ela lê romances, além de desperdiçar o tempo a olhar para a rua da sua janela ou da sua varanda; passa horas no toucador a arrumar o seu complicado penteado; um número igual de horas praticando piano e mais outras na sua aula de francês ou de dança.
Comentário do Padre Lopes da Gama acerca dos costumes femininos [1839] apud SILVA, T. V. Z. Mulheres, cultura e literatura brasileira. Ipotesi — Revista de Estudos Literários, Juiz de Fora, v. 2. n. 2, 1998.
TEXTO II
As janelas e portas gradeadas com treliças não eram cadeias confessas, positivas; mas eram, pelo aspecto e pelo seu destino, grandes gaiolas, onde os pais e maridos zelavam, sonegadas à sociedade, as filhas e as esposas.
MACEDO, J. M. Memórias da Rua do Ouvidor [1878]. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 20 maio 2013 (adaptado).
A representação social do feminino comum aos dois textos é o(a):
a) Submissão de gênero, apoiada pela concepção patriarcal de família.
b) Acesso aos produtos de beleza, decorrência da abertura dos portos.
c) Ampliação do espaço de entretenimento, voltado às distintas classes sociais.
d) Proteção da honra, mediada pela disputa masculina em relação às damas da corte.
e) Valorização do casamento cristão, respaldado pelos interesses vinculados à herança.

Resposta: a
Justificativa: a representação dada ao papel feminino em ambos os textos é a da submissão e do enclausuramento da mulher nas atividades domésticas. Assim, fica evidente a desigualdade de gênero pelas oportunidades e as possibilidades de ascensão social.

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