Clientelismo

O clientelismo é comum nas sociedades modernas, e deve ser entendido em cada contexto para avaliar sua influência no processo democrático.

O clientelismo é uma relação de benefício mútuo entre pessoas em posições sociais desiguais. Geralmente, ela se dá entre lideranças políticas com grande poder aquisitivo e por indivíduos do “povo”, frequentemente de classes mais pobres. Assim, o segundo polo, o “cliente”, pede benefícios pessoais ao líder político, que ganha em votos e prestígio, por exemplo. Entenda mais a seguir.

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Histórico

O clientelismo é um termo geral que pode abarcar relações presentes em diversas sociedades. Na República Romana, ele existia na clássica oposição entre plebeus e patrícios. Nesse clientelismo romano, a classe plebeia prestava serviços e recebia um “patrocínio” na forma de dinheiro ou auxílio jurídico em troca.

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No clientelismo das democracias modernas, o benefício que a classe abastada recebe é principalmente na forma de votos. Assim, os cidadãos pedem auxílio aos políticos para obter recursos disponíveis apenas a essas lideranças, em troca de garantir que votarão nesse representante.

Em uma perspectiva linear, o clientelismo é considerado um resquício histórico de uma prática que não deveria existir mais. Afinal, a relação clientelista envolve dois indivíduos que necessariamente estão em posições sociais desiguais – um, mais abastado, e outro, menos. Logo, esse princípio estaria oposto ao da democracia.

Clientelismo e a corrupção

O clientelismo descreve uma série de ações. Dentre elas, a compra de votos, por exemplo, é crime eleitoral no Brasil pela Lei nº 9.504, a Lei das Eleições. Uma das razões que justifica a penalidade é que o voto não deveria estar pautado em benefícios pessoais.

Afinal, quem pode ceder benefícios aos seus votantes são os candidatos com grande poder aquisitivo. Contudo, o processo eleitoral democrático deveria garantir que todos, mesmo pobres, possam se candidatar a uma representação política em pé de igualdade.

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Portanto, o clientelismo é considerado frequentemente como um ato antidemocrático, porque se estabelece nas relações de desigualdade entre as pessoas. Assim, ele figura como um dos problemas de corrupção, em que os líderes políticos se aproveitam de seu poder e usurpam as instituições.

Contudo, estudos atuais mostram que essa é também uma estratégia utilizada por muitos grupos sem poder para obter o que desejam. Ou seja, mesmo em um mundo desigual, o clientelismo mostra o valor de uma das armas das classes minoritárias em poder: o voto.

Clientelismo no Brasil

Durante a Primeira República, uma das relações de desigualdade em que o clientelismo se baseava era entre os camponeses e os coronéis. Nesse período, havia nessa relação um componente afetivo e pessoal, tornando o coronel um provedor benquisto nas casas das pessoas.

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Após 1930 e a urbanização, o clientelismo passou a se apresentar como uma relação mais mercantilizada na forma de compra de votos, ao invés do aspecto afetivo que havia antes com os coronéis. Assim, a dependência também parece diminuir e a competição política aumenta.

Atualmente, diversos autores defendem que com a maior mobilidade social e a distribuição de renda, a necessidade de depender de lideranças políticas diminui, e assim também se reduz o clientelismo. Além disso, o próprio desenvolvimento da democracia deveria minar esse fenômeno.

Entretanto, o clientelismo ainda é observado em diversos países, mesmo aqueles considerados mais desenvolvidos. No caso brasileiro, enxergar o clientelismo como algo atrasado ou sinônimo de dependência e ignorância das pessoas pode não ser o mais adequado.

Exemplos de clientelismo

A seguir, confira exemplos da atividade clientelista. Nos casos abaixo, serão retratados benefícios que ora são ganhos pela liderança política, ora pelo “cliente”, ou seja, o cidadão comum que faz o pedido. Veja:

  • Visitas: ao se aproximar de períodos eleitorais, diversas lideranças políticas costumam visitar pequenas vilas ou cidades oferecendo água, roupa, livros e outros bens, com o objetivo de obter prestígio e voto.
  • Cargos políticos: alguns cargos em instituições públicas acabam sendo “oferecidos” para amigos ou familiares de políticos. Assim, pessoas pedem o cargo em troca de voto, por exemplo.
  • Saúde: em diversos casos, políticos conseguem vagas em serviços públicos de saúde ou mesmo pagam por tratamentos (por exemplo, dentários) aos seus “clientes”, em troca de voto.
  • Dinheiro: não raramente, um candidato à representação política pode mesmo oferecer dinheiro para os seus potenciais votantes, embora seja crime.
  • Atendimento ao eleitor: nos Estados Unidos, é comum existirem escritórios em que os políticos atendem diretamente seus eleitores. Assim, firma-se uma relação clientelista de longo prazo.
  • Patrimonialismo: define-se como a dificuldade de separação entre o público e o privado, e o uso de bens públicos para necessidades pessoais. Assim, políticos usam os recursos institucionais para benefício próprio, inclusive de familiares e amigos.
  • Coronelismo: era uma grande rede de relações, sendo uma forma de clientelismo que ocorria no Brasil até 1950, consistindo na existência e no grande poder dos coronéis.

Desse modo, o clientelismo está presente amplamente nas sociedades. Se ela favorece ou não a democracia e o acesso aos serviços de qualidade pela população, a resposta é ambígua. Atualmente, diversos estudos em ciência política pesquisam o fenômeno.

Vídeos sobre as trocas clientelistas

Para entender de modo mais amplo o que é o clientelismo, é preciso compreender conceitos importantes como a democracia. A seguir, confira uma lista de vídeos que ajudarão a discutir mais profundamente sobre esse fenômeno:

Sobre a democracia

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Portanto, o clientelismo é um dos termos importantes para compreender o funcionamento prático da política e da democracia. Para continuar seus estudos sobre o sistema democrático, veja a matéria sobre desigualdade social e inclusão social.

Referências

Assimetrias políticas, clientelismo e democracia: uma discussão conceitual – Paulo D’Avila Filho;

Determinantes da oligarquia local: clientelismo, participação política direta e estrutura social – Marcelo Simas;

Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual – José Murilo de Carvalho.

Mateus Oka
Por Mateus Oka

Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.

Como referenciar este conteúdo

Oka, Mateus. Clientelismo. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/clientelismo. Acesso em: 25 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [CS-UFG]

Leia o texto a seguir
O clientelismo é um sistema de controle do fluxo de recursos materiais e de intermediação de interesses, no qual não há número fixo ou organizado de unidades constitutivas. As unidades constitutivas do clientelismo são agrupamentos, pirâmides ou redes baseados em relações pessoais que repousam em troca generalizada. As unidades clientelistas disputam frequentemente o controle do fluxo de recursos dentro de um determinado território. A participação em redes clientelistas não está codificada em nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierárquicos no interior das redes estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico. NUNES, Edson. A gramática política do Brasil. São Paulo: Garamond, 2010. p. 63.
No texto, Edson Nunes apresenta as características específicas do clientelismo, concebido como uma estrutura de relacionamento entre Estado e sociedade no Brasil. Contrapondo-se ao clientelismo, o “universalismo de procedimentos” é também uma estrutura de relacionamento entre Estado e sociedade. Levando em consideração essa oposição, pode-se conceber que no universalismo de procedimentos um dos princípios que orienta a relação entre Estado e sociedade é o
a) da informalidade
b) do insulamento
c) da pessoalidade
d) da igualdade

Resposta: d

Justificativa: o universalismo dos procedimentos do Estado é regido pela ideia de igualdade de tratamento a todos, o que é o oposto do que ocorre no clientelismo: uma relação pessoal, de dar benefícios privados a pessoas que darão algo em troca.

2. [UEL]

O coronelismo, fenômeno social e político típico da República Velha, embora suas raízes se encontrem no Império, foi decorrente da:
a) promulgação da Constituição Republicana que institui a centralização administrativa, favorecendo nos Estados as fraudes eleitorais.
b) supremacia política dos Estados da região sul – possuidores de maior poder econômico – cuja força advinha da maior participação popular nas eleições.
c) montagem de modernas instituições – autonomia estadual, voto universal – sobre estruturas arcaicas, baseadas na grande propriedade rural e nos interesses particulares.
d) instituição da Comissão Verificadora de Poderes que possuía autonomia para determinar quem deveria ser diplomado deputado – reconhecendo os vitoriosos nas eleições.
e) predominância do poder federal sobre o estadual, que possibilitava ao governo manipular a população local e garantir à oligarquia a elaboração das leis.

Resposta: c

Justificativa: o coronelismo marca a Primeira República no Brasil porque foi o resultado da tentativa de implementação de um regime democrático e burocrático em uma sociedade que estava em descompasso com aquele modelo. Assim, coronéis tinham uma relação clientelista, intermediando as relações democráticas do voto.

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