Racismo estrutural

Compreender o racismo como estrutural ajuda a enxergar de que formas a violência racial está enraizada nas sociedades modernas.

O racismo é uma violência que pode se apresentar em pensamento, em ideologias, em ações individuais ou coletivas, e até mesmo institucionais. Em todos os casos, atualmente se tem a compreensão de que o racismo é estrutural e faz parte da própria formação de sociedades modernas. Entenda o que isso significa a seguir.

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O que é racismo estrutural

Dizer que o racismo é estrutural significa que as violências raciais estão enraizadas na formação e no funcionamento da sociedade. Ou seja, o racismo não se trata de uma atitude isolada, uma doença, e nem fruto do mau-caráter de algum indivíduo. Ao invés disso, a sociedade foi estruturada historicamente em relações de violência racial.

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O mito da democracia racial dissimula o racismo existente na sociedade brasileira, que deve ser entendido de maneira estrutural, e não apenas individual.

Assim, o racismo estrutural se refere ao modo como a educação, a economia, a política, a polícia e a segurança pública, o Estado, e até mesmo as famílias e as relações amorosas estão imbricadas em uma história de violência racial.

Racismo no Brasil atualmente

Cada sociedade possui histórias diferentes a respeito da sua constituição e, por essa razão, o modo como o racismo se estrutura nas relações sociais também difere. No Brasil, os povos africanos foram alvos de um processo de escravização que durou quase 400 anos. Além de ter sido o último país a abolir a escravidão, o governo brasileiro não ofereceu uma compensação ou reparação dessa violência após a abolição.

Portanto, descendentes dos antigos senhores de pessoas escravizadas herdaram as riquezas construídas a partir da exploração da população negra. Ainda, muitas cidades e o modo como o país cresceu foram sustentados a partir dessa mão-de-obra. Enquanto isso, após “libertos”, além de descendentes dos povos africanos não herdarem riquezas, foi necessário enfrentar as barreiras e os preconceitos que permaneceram após a escravidão.

Logo, os efeitos dessa história permanecem até hoje. Atualmente, sabe-se que 54% da população brasileira é negra. Apesar disso, o racismo estrutural se manifesta de diversas formas – por exemplo, brancos ocupam a maioria dos cargos de liderança no Brasil; ou ainda, quando as taxas de desemprego sobem, a parcela mais afetada é a de pessoas negras.

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Para além do indivíduo

O racismo é estrutural nas vidas das pessoas porque elas nasceram em uma sociedade com uma história antiga de violência racial. Logo, dimensões da vida cotidiana, como o que comem, as oportunidades de emprego que recebem, as pessoas com as quais convivem, as pessoas que prestam determinados serviços, estão todas enredadas em relações raciais.

Em outras palavras, na sociedade, as pessoas estão implicadas em relações de violência racial para além de suas escolhas ou consciências individuais. Por exemplo, mesmo que uma pessoa branca hipotética nunca tenha expressado uma atitude racista, isso não anula o fato de que ela se beneficia da estrutura racista de algum modo.

Por essa razão, embora as leis que punem atitudes racistas sejam importantes, elas não são suficientes para eliminar o racismo, porque este é um problema de toda a sociedade. Logo, é preciso de mais esforços conscientes de mudança – afinal, o “status quo” da sociedade é que as violências raciais sejam cotidianas. Assim, para transformar a sociedade, é preciso pensar em estratégias efetivas.

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Como combater o racismo estrutural

Para mudanças sociais significativas a respeito do racismo estrutural, não basta evitar atitudes racistas, mas ser sobretudo antirracista. Ou seja, é necessário tentar transformar a estrutura racista da sociedade. Apesar de não ser uma tarefa fácil, e nem contar com receitas prontas, é possível seguir alguns caminhos de ação. Veja algumas sugestões:

  • Reconhecer o racismo: em primeiro lugar, é preciso não negar nem abrandar o racismo estrutural que existe na sociedade, nem reforçar ideias errôneas como a da democracia racial. Assim, entender a gravidade desta violência é o primeiro passo para o antirracismo.
  • Entender a história: deve-se entender também que a história da violência racial é longa. Portanto, não diz respeito ao caráter ou a vida de um indivíduo. Ao invés disso, trata-se de um problema maior e coletivo ao qual todas as pessoas devem se implicar.
  • Escutar a diferença: não é preciso “se colocar no lugar do outro” para entender que o racismo é doloroso para muitas gerações de pessoas negras no Brasil. Isto é, embora nunca possamos saber exatamente o que o outro sente, é possível escutar e se sensibilizar com a causa.
  • Posicionar-se: assim, entender o seu lugar nessa longa história e não se eximir de sua implicação nessa estrutura é fundamental. Sobretudo, não deixar de discutir o assunto, posicionar-se quando presenciar uma atitude racista, e divulgar iniciativas antirracistas são ações importantes.
  • Ser aliado de políticas públicas: é urgente que políticas de reparação histórica e de redistribuição de renda e oportunidades sejam implementadas em nossa sociedade. Um exemplo ainda pequeno comparado às políticas necessárias, mas ainda importante, é o das cotas raciais.

As sugestões acima são apenas dicas que podem ser úteis para pensar outras ações, sobretudo mais concretas. Logo, é importante notar que dizer que o racismo é estrutural significa que este não é um problema apenas das pessoas prejudicadas por essa violência, mas de toda a sociedade.

Exemplos de racismo estrutural

A seguir, confira como o racismo estrutural pode se manifestar em alguns campos da sociedade. Lembre-se que essa lista não é completa, portanto, não esgota os vários modos como a violência racial pode se apresentar.

  • Distribuição de renda: mesmo sendo a maioria no país, os dados de 2019 do IBGE indicaram que a população negra recebe cerca de 73% a menos que a renda dos brancos. Esses números indicam, dentre muitas dimensões, a história de desigualdade de distribuição de renda, que nunca foi corrigida após a abolição da escravatura.
  • Educação: ainda conforme informações do IBGE, mais de 70% dos jovens que pararam de frequentar a escola são negros, enquanto apenas cerca de 27% são brancos. Assim, as condições de estudo, as oportunidades de construção de carreiras e o suporte financeiro familiar são distintos entre grupos raciais no país.
  • Violência policial: esta é uma das dimensões de violência mais explícita do racismo estrutural no Brasil. Conforme um levantamento feito em 2020, do total de mortes que decorreram de violência policial, mais de 80% das vítimas foram pessoas negras. Dados recentes ainda mostram que jovens negros são muito mais abordados pela polícia, apenas em razão de sua cor, quando em comparação com os brancos.
  • Afeto: um famoso experimento, feito com bonecas e crianças, mostra como, desde a infância, as pessoas crescem aprendendo quais são os padrões de beleza mais aceitáveis para a ideologia dominante. Nesse contexto, a autoestima, a afetividade e até mesmo as relações amorosas são afetadas pelos modelos da branquitude.
  • Mito da democracia racial: mesmo com todas as evidências, persiste no Brasil o mito da democracia racial, ou seja, de que neste país não existiria racismo, uma vez que as pessoas tendem a ser miscigenadas. Esse tipo de discurso atrapalha a efetivação de políticas importantes, como a das cotas raciais.

Assim, antes de ser um problema apenas dos indivíduos que identificamos como racistas, ver o racismo como estrutural ajuda a enxergar como ele precisa ser combatido por todas as pessoas.

Mapa mental sobre racismo estrutural

O mapa mental abaixo é útil para ilustrar o que se explicou até aqui sobre racismo estrutural. Isto é, sendo uma parte formativa da sociedade, o racismo está presente em aspectos internos (em pensamento, em preconcepções), passando pela relação com outras pessoas (expressado em preconceitos e violência com o outro), até à dimensão institucional (na forma como a economia, a política ou a educação distribuem recursos e oportunidades).

racismo estrutural

Ou seja, todos os campos apresentados no mapa são áreas estruturadas por violências raciais. Contudo, é importante lembrar que essas dimensões nunca estão exatamente separadas na vida real. Assim, na prática, os diferentes aspectos se misturam, o que mostra o modo como o racismo está enraizado na sociedade.

Vídeos sobre o racismo estrutural e suas consequências

Para se tornar capaz de discutir mais sobre esse assunto importante, pode ser produtivo escutar outras pessoas debatendo o tema. Logo, veja abaixo uma seleção de vídeos que ajudarão nesta tarefa.

Retomando o tema

Para rever e aprofundar seu entendimento sobre o racismo estrutural, confira o vídeo acima. Ser capaz de conversar, dialogar, e ouvir sobre o assunto é imprescindível para começar uma mudança.

Por que o racismo é estrutural?

Como pensar o caráter estrutural do racismo? Quais as formas de pensar sobre isso? A arte, incluindo a música, é um modo já antigo de fazer isso. Saiba mais no vídeo acima.

Quem deve falar sobre o assunto?

Quem deve discutir sobre racismo? O que é branquitude? Entenda mais sobre as respostas para essas questões no vídeo acima, que explica de forma didática e descontraída como pessoas brancas estão implicadas neste assunto.

Pessoas amarelas e o racismo antinegro no Brasil

Assim, pensando ainda sobre as responsabilidades de pessoas que não são negras para pensar sobre o racismo, confira este material sobre o lugar de pessoas amarelas no Brasil e sua implicação com o racismo.

Como ser antirracista?

Como lembra Angela Davis, não basta não ser racista, mas devemos ser antirracistas. Pensando nisso, o vídeo acima apresenta um dos livros mais importantes no Brasil sobre práticas antirracistas a serem aplicadas.

Uma pensadora do tema: Lélia Gonzalez

Antes do conceito de racismo estrutural ser bem difundido, muitos autores e autoras refletiam sobre esse tema – e uma dessas pessoas foi Lélia Gonzalez. Portanto, conhecer mais de suas ideias e a sua biografia é essencial para avançar no antirracismo.

Casos de racismo

Como lidar com casos explícitos de racismo que vem à tona? No vídeo acima, um exemplo específico de um ato racista é discutido e pode ser ilustrativo para debater sobre outros casos.

O racismo estrutural é um tema inescapável para compreender tanto a história do Brasil como o mundo contemporâneo. Para saber mais do assunto, confira a matéria sobre necropolítica.

Referências

Por um feminismo afro-latino-americano (2020) – Lélia Gonzalez.
Racismo em três dimensões (On-line) – Luiz Augusto Campos. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/8YsCLH9MsCZ3dPWC47JLmFd/
Racismo estrutural (2019) – Silvio Almeida.

Mateus Oka
Por Mateus Oka

Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.

Como referenciar este conteúdo

Oka, Mateus. Racismo estrutural. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/racismo-estrutural. Acesso em: 29 de March de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UNESPAR]

“Afirmar que o racismo no Brasil é sutil, significa fechar os olhos para a crueldade a que foi historicamente submetida a população negra. Verificam-se, então, dois mecanismos que se conjugam, traduzindo algumas facetas do racismo brasileiro. Por um lado, temos a ‘quase invisibilidade’ da questão racial. Embora os inúmeros dados demonstrativos da situação injusta e crítica vivenciada pelos negros no Brasil estivessem em desníveis há décadas, somente nos últimos anos eles foram trazidos a público, no bojo dos debates sobre a implementação de políticas afirmativas, em decorrência das iniciativas do movimento negro. Por outro lado, coloca-se a crença no mito da democracia racial e na ideia de que o Brasil teria superado a escravidão e o racismo por meio do processo de miscigenação que, por sua vez, nos teria livrado de problemas existentes apenas em outras paragens, tais como Estados Unidos ou a África do Sul”. (PACHECO; SILVA, 2007). Fonte: PACHECO, J. Q.; SILVA, M. N. Introdução in ______;______(orgs). O negro na universidade : o direito à inclusão. Brasília : Fundação Cultural Palmares, 2007, p. 1 – 6.

Tomando por base o texto de Pacheco e Silva, é correto afirmar que:

a) O racismo no Brasil é sutil e imperceptível;
b) A miscigenação eliminou o racismo nas relações sociais;
c) Estados Unidos e África do Sul são exemplos de tolerância racial e eliminação de preconceitos;
d) Os dados estatísticos desmentem a ideia de que no Brasil não existe racismo;
e) Políticas de Ações Afirmativas são desnecessárias no contexto brasileiro.

Resposta: d.

Justificativa: ao contrário do que prega o mito da democracia racial, os dados estatísticos e também outras pesquisas sociológicas demonstram que a violência racial está presente em toda a sociedade brasileira.

2. [UNICENTRO]

“Quando se menciona o trabalho escravo no Brasil, a primeira lembrança é a da escravidão negra. Realmente, foi ela a mais marcante, a mais longa e terrível; mas o trabalho escravo se inicia no Brasil com a escravidão indígena” (Tomazi, Nelson Dácio (coordenador). Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 2000, p. 62).

Considerando a realidade estabelecida pela implantação do trabalho escravo dos negros africanos trazidos ao Brasil, assinale a alternativa incorreta.

a) As condições de vida dos escravos africanos eram terríveis, razão pela qual a média de vida útil deles não ultrapassava os quinze anos.
b) Os negros africanos reagiram à escravidão das mais diversas formas: através das fugas, dos quilombos, da luta armada, da preservação dos cultos religiosos, da dança, da música.
c) O negro é parte integrante da história brasileira, apesar dos muitos preconceitos que ainda persistem contra eles.
d) O Brasil figura entre os primeiros países latino-americanos a declarar por meio de muitas leis, até a promulgação da Lei Áurea, a libertação de seus escravos.
e) O fim do tráfico de escravos, no Brasil, ocorreu em meados do século XIX, quando começaram algumas experiências com a mão de obra assalariada de estrangeiros.

Resposta: d.

Justificativa: até a Lei Áurea que acabou oficialmente com o sistema escravista no Brasil, diversas leis foram promulgadas gradativamente. Entretanto, isso não significa que uma cultura escravista e racista não tenha permanecido na sociedade. Além disso, o Brasil foi o último país da América Latina a abolir a escravidão.

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