Quarto de despejo

Quarto de despejo é um diário de Carolina Maria de Jesus que denuncia a desigualdade social no Brasil na década de 50.

Quarto de despejo (1960) é um diário escrito por Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra, pobre, mãe solo e moradora da antiga favela do Canindé. Nessa obra, a autora mostra a favela partindo de uma visão de dentro, isto é, de quem viveu nesse espaço e conheceu as hostilidades existentes nele. A seguir, saiba mais sobre o livro:

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Índice do conteúdo:

Resumo da obra

Cultura Genial

Carolina Maria de Jesus (1914-1977) foi descoberta por Audálio Dantas, jornalista que tinha o intuito de escrever uma matéria sobre uma favela que vinha se expandindo próxima à beira do Rio Tietê, em Canindé. Ao conhecer Carolina, percebeu que ela tinha muito a dizer e investiu na publicação de um livro.

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A autora relatou o cotidiano da favela e a sua história em 20 cadernos velhos, encontrados em meio às suas andanças em busca de sustento para seus três filhos: João José, José Carlos e Vera Eunice.

O livro Quarto de despejo, que tem como subtítulo O diário de uma favelada, é a visão de uma mulher negra sobre a favela do Canindé, mas não só isso. Ela relatou a dificuldade pelas quais passam mulheres pobres que criam seus filhos sozinhas, sem assistência governamental alguma, em meio a tantas promessas de campanha política.

Além disso, seus relatos são permeados pelo racismo que a autora sofreu, pela desigualdade social, violência, tristeza e enfermidade, mas, acima de tudo, a autora fala sobre a fome. O livro apresenta uma linguagem coloquial, próxima da que era empregada pela escritora em seu dia a dia, assunto que analisaremos a seguir.

Análise

Conheça aspectos fundamentais para compreender a obra-prima de Carolina Maria de Jesus, dentre eles o contexto histórico e as críticas sociais presentes no diário.

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Contexto histórico

Carolina escreveu seus diários na década de 1950, porém foi publicando na íntegra somente em 1960. O diário se passa no período do governo Juscelino Kubitschek (1955-1960), dita como época de progresso da expansão do país, período dos “50 anos em 5”. Brasília era construída e era o símbolo do desenvolvimento do Brasil, que representava a ideologia da época.

Nesse período, sobretudo São Paulo estava de fato em desenvolvimento, mas no que diz respeito à infraestrutura: grandes obras foram construídas, avenidas foram alargadas, pontes foram construídas e túneis foram feitos.

No entanto, tudo isso aumentou ainda mais a desigualdade social no país. Muitas pessoas vinham para a grande metrópole seguindo o sonho de conseguir um emprego e dar melhor condição de vida para suas famílias. A demanda de trabalho era pouca para tantas pessoas que vinham de outros estados e até de outros países.

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Crítica social

A fome é a principal temática abordada por Carolina, indissociável de uma crítica à política vigente na década de 50, ao descaso dos governantes com as pessoas mais pobres e à falta de empatia do outro.

Ela sustentava seus filhos coletando papel e sucatas pelas ruas, mas, muitas vezes, voltava para casa de mãos vazias. Quando conseguia alimentos, era dia de festa em sua casa. Às vezes, recolhia verduras e legumes descartadas em feiras e mercados. Em outros momentos, buscava sobras de carnes e ossos descartados em frigoríficos, com os quais fazia uma sopa aguada, até que começaram a jogar creolina para que nada fosse recolhido.

Muitas vezes, a autora e seus filhos tiveram que dormir com fome porque ela não conseguiu dinheiro para nada. Nesses dias, seus relatos são feitos com raiva, como se fossem uma válvula de escape para tudo que, angustiadamente, guardava dentro de si. De acordo com ela, a fome, que permeia todo diário, tem cor:

“QUE EFEITO SURPREENDENTE FAZ A COMIDA NO NOSSO ORGANISMO! EU QUE ANTES DE COMER VIA O CÉU, AS ÁRVORES, AS AVES, TUDO AMARELO, DEPOIS QUE COMI, TUDO NORMALIZOU-SE AOS MEUS OLHOS”.

Embora com pouca escolaridade, a autora apresenta uma visão muito crítica da sociedade e sempre lia jornais. Para ela, os políticos só se importavam com os mais pobres em época de campanha, quando apareciam na favelas fazendo promessa e distribuindo alguns itens de necessidade básica, aos quais todos deveriam ter acesso sempre.

Além disso, a escritora critica a violência existente na favela. Para ela, a violência é fruto de um ambiente hostil, onde não há sequer alimento e água potável todo dia. Os atos violentos sempre estão ligados ao alcoolismo. Sobretudo os homens bebem muito e descontam em suas esposas, que apanham diante de toda favela, como se isso fosse um espetáculo, em um espaço onde não há muitas formas de entretenimento.

Carolina ainda critica brevemente o papel dos homens na criação dos filhos e em um relacionamento. Ela menciona que prefere criar seus filhos sozinha do que viver repleta de problemas causados por eles, que, muitas vezes, são violentos e ausentes.

Linguagem

Esse é um assunto relativamente polêmico no que diz respeito ao livro Quarto de despejo. O gênero diário, uma narrativa subjetiva e intimista, costuma apresentar uma linguagem mais coloquial, marcada pela oralidade própria daquele “eu” que escreve – nesse caso, Carolina Maria de Jesus.

Ela era uma autodidata: aprendeu a ler e escrever com os cadernos, revistas e jornais que encontrava pelas ruas. Conforme conta: “Tenho apenas dois anos de grupo escolar”. Sua mãe sonhava em vê-la professora, mas o destino e a vida de miséria não permitiram; assim, transmite aos seus filhos a preocupação de mantê-los na escola para que tenham um futuro melhor.

Nesse sentido, a linguagem empregada no diário apresenta desvios da norma padrão da Língua Portuguesa. Em alguns momentos, vemos termos como “iducação”, mas também outros como “funestas” – ou seja, uma mescla entre o formal e o informal.

Seria essencial manter a linguagem da autora, porque, mais do que simples desvios gramaticais, essa questões linguísticas constituem essa mulher pobre e negra, que foi tão marginalizada e renegada socialmente e que representa tantas outras mulheres no país.

No entanto, Audálio Dantas – jornalista responsável não só por descobrir Carolina, como também por dar visibilidade aos seus escritos nos jornais e no mercado editorial – editou parte de seus relatos. Nas edições brasileiras do Quarto de despejo, é mencionado que ele fez pequenas alterações para retirar as repetições e trechos truncados que dificultariam o entendimento dos leitores.

O problema disso é que não se sabe exatamente o quanto esses escritos foram alterados. Muitos pesquisadores da Literatura defendem a publicação na íntegra do diário de Carolina, para que a linguagem de Carolina Maria de Jesus seja mantida e tenhamos acesso ao texto original.

E o título do livro? Qual a relação dele com os relatos cotidianos da escritora? A seguir, saiba em detalhes o porquê.

O motivo do título

Pensar o título Quarto de despejo é relacioná-lo às críticas da autora em relação às mazelas existentes no Brasil, sobretudo em São Paulo, que estava em pleno desenvolvimento industrial e infraestrutural.

A autora menciona que as regiões principais de São Paulo eram uma espécie de sala de luxo, onde circulavam sobretudo a burguesia paulistana. As pessoas pobres não circulavam nesses espaços, a menos que fossem como empregadas. Para elas, sobravam os quartos de despejo, ou seja, as favelas, distantes de qualquer luxo e muito próximos da miséria e da violência.

Além disso, o governo e as grandes empresas, visando o progresso e o lucro, tomavam conta até das terras onde havia as favelas, o que gerava ainda mais e mais despejos, portanto, mais exclusão social. Para onde iriam aqueles que não estão nas salas luxuosas?

Por sua vez, o subtítulo Diário de uma favelada aponta para os registros feitos por Carolina diariamente em seus velhos cadernos – denúncias da realidade social e política da favela em que se encontrava, mas que representa tantas outras comunidades até hoje.

A autora: Carolina Maria de Jesus

Jornal Opção

A autora é mineira, nasceu em 14 de março de 1914 e faleceu em 13 de fevereiro de 1977, em São Paulo. Foi moradora da antiga favela do Canindé. Relatou, em seu diário, o cotidiano miserável de uma mulher negra, pobre, mãe, escritora e favelada. Ela e seus filhos passaram por muitas dificuldades, como a fome e enfermidade. Em seus textos, denunciou as mazelas do Brasil e da desigualdade social.

A partir da publicação do livro Quarto de despejo, a vida de Carolina Maria de Jesus melhorou. Conseguiu sair da favela e comprar uma casa de alvenaria, um dos seus maiores sonhos, além de poder dar educação e qualidade de vida para sua família.

Publicou outros livros além desse, que não tiveram tanto sucesso: Casa de alvenaria (1961), Pedaços de fome (1963) e Provérbios (1963). Postumamente, foram publicados: Diário de Bitita (1977), Um Brasil para brasileiros (1982), Meu estranho diário (1996), Antologia pessoal (1996), Onde estaes felicidade? (2014) e Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos (2018).

Contudo, a carreira literária não a fez tornar-se abastada, tendo dificuldades para criar seus filhos. Ao longo da vida, dividiu-se entre escrever e vender livros, coletar materiais recicláveis, realizar faxinas e lavar roupas para fora.

Revista Cult

Teve um grande reconhecimento quando lançou seu primeiro livro e atraiu atenção de autores importantes, como Clarice Lispector. Era a favela na literatura, representada por um mulher negra que lá vivera. Contudo, morreu esquecida por grande partes desses autores e do mercado editorial.

Recentemente, com o crescimento da discussão de pautas como o racismo no Brasil, o lugar de fala, a valorização de autores negros e a crescente representação das minorias na literatura, os escritos de Carolina estão sendo mais valorizados e cobrados em vestibulares de todo o país.

Vídeos sobre a vida e obras de Carolina Maria de Jesus

Agora, você aprofundará os seus conhecimentos acerca da vida de Carolina, que é indissociável de sua obra, uma vez que esta contém traços autobiográficos. Acompanhe:

Síntese de Quarto de despejo: diário de uma favelada

A partir desse vídeo, você conhecerá um pouco mais sobre o cotidiano de Carolina Maria de Jesus, expresso em seu diário.

Quem foi Carolina Maria de Jesus?

Saiba mais a respeito de Carolina Maria de Jesus, uma das autoras negras mais conhecidas mundialmente, sendo publicada em mais de 40 idiomas.

Vida e trajetória de Carolina Maria de Jesus

Nesse vídeo, você acompanha mais detalhes sobre a trajetória da autora e o modo como suas experiências de vida se fazem presente em sua obra-prima.

Agora que você já conhece Carolina Maria de Jesus e seu Quarto de despejo, aprofunde seus conhecimentos sobre um tema importante para compreender o diário da autora com nossa matéria sobre racismo.

Referências

Quarto de despejo: Diário de uma favelada (2007) – Carolina Maria de Jesus
Quarto de despejo – Diário de uma favelada: a escrita como válvula de escape. Homo Literatus (2014) – Estela Pereira dos Santos

Estela Santos
Por Estela Santos

Doutoranda em Letras - Estudos Literários (UEM), professora, redatora e mediadora do #LeiaMulheres - Maringá.

Como referenciar este conteúdo

Santos, Estela Pereira dos. Quarto de despejo. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/quarto-de-despejo. Acesso em: 24 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [IF-SUL DE MINAS]

Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, tem como traço recorrente, EXCETO:

a) denúncia contra o racismo;
b) crítica ao descaso do governo com a favela;
c) linguagem padrão;
d) repetição da rotina da autora.

Resposta correta: C.

A linguagem do diário é coloquial e marcada pela oralidade, isto é, está mais próxima da linguagem utilizada pela autora no cotidiano, embora Audálio Dantas, que a descobriu, tenha feito algumas alterações no texto original.

2. [UNIMONTES]

Sobre o livro Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, todas as afirmativas abaixo estão corretas, EXCETO:

a) a autora – mulher, negra, mãe solteira – assinala a sua escrita com a consciência do que é estar no “quarto de despejo” da grande cidade de São Paulo;
b) o ato cotidiano de recolher resíduos da sociedade paulistana é uma evasão de uma mulher que se sente marginalizada;
c) o diário Quarto de despejo é constituído de fragmentos de vida reunidos em cadernos encontrados nas ruas;
d) os relatos diários são marcados por um olhar de denúncias e pela descrição da rotina marginal de sua autora.

Resposta correta: B.

A autora não recolhe resíduos (papelão e outras sucatas) como uma espécie de evasão por ser uma mulher deixada à margem da sociedade, mas sim porque essa é a única forma de sustento que encontrou para criar seus filhos – o que nem sempre é suficiente para que não passem fome e demais necessidades.

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