O Príncipe de Maquiavel

Como o Príncipe deve agir para conquistar e manter o poder? É preferível ser amado ou temido? Veja mais sobre esse tratado que revolucionou a filosofia política.

O livro O Príncipe é o mais famoso de Nicolau Maquiavel e conta um verdadeiro tratado sobre política e sobre como governar. Também é um dos livros mais importantes da filosofia política. Continue a leitura para saber sobre o contexto da obra, as inspirações do autor e os conceitos trabalhados no livro. Acompanhe!

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Resumo da obra

Capa do livro do O Príncipe. Fonte: Companhia das Letras

Dedicado a Lourenço II de Médici, dividido em 26 capítulos, O Príncipe é uma obra essencialmente política, que aborda as relações de poder entre o povo e o governante, bem como as transações político-econômicas internas e externas da Itália, ainda não unificada. O figura do Príncipe é inspirada nas ações políticas de César Borgia, filho do Papa Alexandre VI.

Relacionadas

Absolutismo
O absolutismo é uma forma de política que deixa o poder concentrado nas mãos de um rei.
Humanismo
Conhecido por compreender o homem como a medida do universo e buscar inspiração nos valores clássicos, o movimento é representado por célebres nomes, como Petrarca, Maquiavel, Michelangelo e Da Vinci.
Filosofia Política
A Filosofia Política é uma corrente filosófica com objetivo de estudar questões que abrangem convivência humana e entre grupos humanos.

Para Maquiavel, o Príncipe é um governante que, além de conquistar territórios, deve mediar o conflito político entre o povo e os nobres (os grandes). O livro foi um importante marco para a Filosofia, porque possibilitou independência à política, separando-a da moral e da religião, tornando uma disciplina única, com suas próprias características e critérios. A obra ainda aborta as questões da natureza humana. De acordo com Maquiavel, o homem age por interesse e, por isso, é inconstante e imprevisível.

História

Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, em italiano, foi um filósofo nascido em Florença, em 1469 e viveu durante o Renascimento. Ao escrever O Príncipe, em 1513 (e publicado em 1532), Maquiavel propôs uma mudança estrutural no pensamento político da época. Embora fosse um período de florescimento cultural, a população – caída em um ostracismo e em uma apatia sociopolítica – tinha desistido de lutar pelos ideais políticos e o bem-estar da sociedade em detrimento da salvação na Cidade Celeste, influenciada pelos teóricos medievais.

Ao mesmo tempo, a formação dos Estados Nacionais se fazia cada vez mais necessária em face à queda dos feudos e do começo das Expansões Marítimas. Dessa forma, o conflito entre povo e Estado estava mais aflorado e a figura do Príncipe foi a alternativa que Maquiavel apresentou para tentar resolvê-lo.

Principais ideias

O livro trata de diversas questões políticas e diversas situações nas quais os políticos devem ponderar e agir. No entanto, é possível estabelecer uma linha geral para o tratado do filósofo: o conflito político existente para conquistar e manter o poder. É a partir desse tema que Maquiavel vai delineando as ideias necessárias para que tal conflito seja compreendido.

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Conflito

O príncipe governa um ambiente instável e dinâmico proveniente do conflito entre os atores políticos: o povo e os grandes. Um dos papeis do líder é a manutenção desse conflito, dispositivo vitalizador da sociedade. Maquiavel explica que é por meio do conflito que a política acontece, pela disputa de interesses e capacidade de organização. Entretanto, é exigido do príncipe, enquanto mediador, portar-se de certo prestígio para negociar com os dois humores.

Para manter seu poder de negociação, a sua fama precisa estar concernente aos rumos que ele pretende dar aos conflitos. Tais direções poderão trazer seu louvor ou sua ruína. O conflito, contudo, não pode ser um jogo desigual, em que apenas um lado é ouvido e privilegiado, deve-se ser equilibrado. Cabe à figura do príncipe equilibrar tal equação.

Virtù

Diferente da virtude grega e principalmente a aristotélica, na qual virtuoso era o nobre, bom na batalha, sábio ou aquele que fazia tudo de acordo com o justo-meio, para alcançar a justiça e a felicidade, a virtù de Maquiavel é a capacidade que o príncipe deve desenvolver para compreender, articular e manejar o jogo político. É de sua competência saber atuar com as forças políticas entre os nobres e o povo e seus respectivos interesses, conseguir liderar seu povo e impedir o conflito político.

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Fortuna

A fortuna pode ser compreendida como ocasião. Ter o momento certo para praticar tal feito. E também considerar um pouco com a sorte, que não está sujeita à manipulação. Pode-se dizer que a fortuna é o fato, mas apenas o fato não basta para governar, é preciso saber administrá-lo e aproveitar o momento exato (virtù) para utilizar esse fato a seu favor. A fortuna por si mesma não garante um bom governo do príncipe, é a virtù que o destaca.

Transformação do pensamento político

Maquiavel compreende que a política deve se tornar uma ciência autônoma e não mais depender da Igreja, Estado, tampouco ser respaldada pela Ética, como acontecia no período Medieval. Deste modo, fez da política uma esfera independente e inverteu o pensamento outrora guiado pelo Cristianismo, que afastava a população da vida pública e a alienava das práticas políticas. O filósofo propõe exatamente o oposto do que se vivia na época.

A corrupção em Veneza, os saques em Roma e a instabilidade política em Florença, para ele, eram consequências diretas do ostracismo político da população. Por isso é tão imprescindível a existência de uma figura capaz de reestabelecer e exaltar os ânimos sociais, alguém cuja força não esteja só na espada, mas no poder de exercer a vida política e trazer o povo de volta à vida terrena.

Ideias Republicanas

Príncipe de Maquiavel não é uma personagem absolutista, como tende a encarar o senso comum pelo nome que lhe é atribuído, mas, ao contrário do que se pensa, é uma proposta de uma nascente teoria republicana que qual explicita a necessidade de formação política com caráter público, acessível de modo autônomo e prático. Ou seja, exequível, não do modo idealizado como era para os gregos, tampouco inexistente, como aos medievais, mas sim uma ciência teórico-prática essencialmente humana que admite as falhas, os acertos, as vontades, as atrocidades, as virtudes e as crueldades humanas.

Características

A obra tem o caráter teórico-prático, ou seja, é tanto um guia para um governante quanto um estudo teórico àqueles que pensam sobre as relações de poder. Além disso, o livro levanta alguns dilemas interessantes que acabaram por caracterizar a obra. Veja a seguir.

Ser temido ou amado

Quando se deparou com essa questão, se o príncipe deveria ser temido ou amado, com intuito de manter seu poder, Maquiavel defendeu que, embora fosse bom ser amado, é preferível ser temido.

Os atos de crueldade

Na passagem sobre a decapitação do messer Ramirro de Orco, encomendada por César Borgia, Maquiavel escreve:

“Tanto aquela província estava cheia de latrocínios, de brigas e de todas as outras causas de insolência, julgou ser necessário, por querer torná-la pacífica e obediente ao braço régio, dar-lhe bom governo: porém, designou messer Ramirro de Orco, homem cruel e diligente, ao qual deu pleníssimos poderes. Este em pouco tempo a tornou pacífica e unida, com máxima reputação. Depois julgou o duque [César Borgia] não ser necessária tão excessiva autoridade, porque receava torná-la odiosa, e instituiu um tribunal civil no centro da província, com um presidente excelentíssimo, no qual toda cidade tinha seu advogado. E porque sabia que a severidade do passado havia gerado neles algum ódio, queria, para purgar os ânimos daquele povo e ganhá-lo totalmente, mostrar que, se alguma crueldade havia sido cometida, não tinha nascido dele, mas da natureza cruel do ministro. E aproveitou esta ocasião para colocá-lo numa manhã na praça, em Cesena, dividido em duas partes: com um pau e uma faca ensanguentada do lado.” (MAQUIAVEL, 2009, p.87-89)

Entre evitar uma rebelião, causando uma guerra civil, e matar uma única pessoa em praça pública, por mais cruel que seja, é preferível fazer isso a sentenciar centenas à batalha. Maquiavel também pondera que os atos de crueldade devem ser feitos todos de uma única vez, para que o povo não se rebele.

Manter as aparências

Na obra, vemos a importância da aparência e da mentira, a fim de manter o poder. O filósofo defende que se for necessário mentir para conquistar um território, vencer uma batalha ou manter-se no poder, então o príncipe deve fazê-lo.

A formação de exércitos

De acordo com Maquiavel, só é possível conquistar territórios e governar se o líder tiver um bom e numeroso exército. No entanto, em uma suposta batalha entre dois príncipes, se um exército for de mercenários e o outro for de súditos leais, esse último leva vantagem. Um exército de mercenários facilmente abandonaria o campo de batalha, ao passo que aquele que é composto por amor e lealdade ficaria até o final.

Os principados

Para Maquiavel, os principados hereditários são mais fáceis de se manter do que os principados novos. É preciso avaliar a situação (uso da virtù) para saber se é melhor conquistar um principado já existente e aplicar suas leis ou criar um novo.

A importância de O Príncipe

O livro de Maquiavel teve dois grandes impactos. O primeiro dentro da própria Filosofia, pois fez com que a política se tornasse uma disciplina independente. Ao fazer isso, Maquiavel deixou livre o caminho para a criação da Filosofia Política.

Já o segundo impacto, que decorre do primeiro, fez com que a política se tornasse uma esfera separada da moral e da religião. Separar a política da moral é importante para não confundirmos atos públicos com atos privados, decisões que devem ser públicas e coletivas com aquelas que são privadas e individuais. Separar a política da religião é fazer da política uma prática exequível no mundo dos homens.

É preciso lembrar que, no contexto histórico da época de Maquiavel, o exercer político e a luta pela qualidade da vida terrena eram práticas desencorajadas ou até mesmo rechaçadas pela Igreja e pelo próprio Estado, que vivia às custas de seu povo.

Por isso a importância de tornar a política, mais uma vez, algo a ser praticado e reivindicado. Assim como Aristóteles afirmava a necessidade da participação na polis, Maquiavel viu no conflito a resposta para manter vivos os humores políticos. Dessa forma, vemos como Maquiavel compôs sua participação no Humanismo.

6 curiosidades sobre O Príncipe

Por ser um dos livros mais importantes da Filosofia Política e ter passagens icônicas, sempre encontramos algumas curiosidades a respeito da obra. Olha só:

  1. O Príncipe foi publicado postumamente. Maquiavel o escreveu em 1513, mas só foi publicado em 1532, com a permissão do Papa Clemente VII.
  2. O título do primeiro manuscrito foi “De principatibus” (O principado, em Latim), mas foi modificado pelos editores para O Príncipe.
  3. Embora o título do primeiro manuscrito estivesse em Latim e o tema fosse tradicional, o livro foi escrito em italiano (que na época era um idioma vernacular).
  4. Maquiavel e César Borgia foram retratados na série The Borgias.
  5. Embora a frase “os fins justificam os meios” seja atribuída a Maquiavel, ela não está presente no livro, nem em outros livros escritos por ele. Mas sim, a ideia do livro é a mesma da frase.
  6. Por conta de alguns conteúdos do livro, o termo “maquiavélico” foi atribuído a algo negativo, manipulador, fingido e maligno. No entanto, Maquiavel não é maniqueísta e não separa o mundo entre o bom e o mau, mas sim entre circunstâncias e necessidades, entre a fortuna e a virtù.

O livro de Maquiavel encanta em todos os detalhes. A sua obra e os conceitos trabalhados pelo autor impressionam diversas pessoas mesmo após longos anos.

Para saber mais sobre o assunto

Nestes três vídeos, você encontrará o resumo e a resenha da obra O Príncipe de Maquiavel, além disso, vemos as leituras que Spinoza e Rousseau fizeram do tratado. Confira:

Detalhes do livro

Nesse vídeo do canal “Ler antes de morrer”, Isabella Lubrano faz uma extensa e rica resenha sobre o livro O Príncipe, relacionando-o, no início, com o seriado Game of Thrones. Isabella faz a relação das famílias citadas na obra de Maquiavel e contextualiza todo momento histórico do século XV de forma detalhada.

Maquiavel e a sátira contra a tirania

Neste vídeo, o professor Mateus Salvadori expõe o livro O Príncipe a partir da leitura de Spinoza e Rousseau, como uma sátira à tirania.

A Itália do século XV pelos olhos de Maquiavel

No vídeo do canal Doxa e Episteme, Marcos Roberto conta melhor o contexto da obra e do autor. Além disso, Marcos faz um bom contexto histórico da Itália da época dos Médicis e as problemáticas levantadas pelo livro.

Essa obra ensina muito sobre o poder e a política, fazendo uma reflexão sobre os atos e as consequências. Aproveite seus estudos em filosofia e aprenta mais sobre a ética e moral.

Referências

CHAUI, Marilene. Convite à filosofia. 12ª ed. – São Paulo: Editora ática, 1999.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. José Antônio Martins. São Paulo: Hedra, 2009.
WINTER, Lairton Moacir. A concepção de Estado e de A concepção de Estado e de poder político em Maquiavel poder político em Maquiavel. Tempo da Ciência ( 13 ) 25 : 117-128, 1º semestre 2006.

Marilia Duka
Por Marilia Duka

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá em 2016. Graduada em Letras Português/Francês na Universidade Estadual de Maringá em 2022.

Como referenciar este conteúdo

Duka, Marilia. O Príncipe de Maquiavel. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/filosofia/o-principe-maquiavel. Acesso em: 19 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UEL (2005)]

1. A escolha dos ministros por parte de um príncipe não é coisa de pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, pode-se sempre considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e manter fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre dele fazer mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao escolher os assessores”. (MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 136.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre Maquiavel, é correto afirmar:

a) As atitudes do príncipe são livres da influência dos ministros que ele escolhe para governar.

b) Basta que o príncipe seja bom e virtuoso para que seu governo obtenha pleno êxito e seja reconhecido pelo povo.

c) O povo distingue e julga, separadamente, as atitudes do príncipe daquelas de seus ministros.

d) A escolha dos ministros é irrelevante para garantir um bom governo, desde que o príncipe tenha um projeto político perfeito.

e) Um príncipe e seu governo são avaliados também pela escolha dos ministros.

A alternativa E está correta, haja vista que o governo é avaliado pelas atitudes de seu príncipe, seus ministros e seu povo.
Não basta ser virtuoso, é preciso contar com a fortuna.

2. [ENEM (2013)]

Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que temido ou temido que amado. Responde-se que ambas as coisas seriam de desejar; mas porque é difícil juntá-las, é muito mais seguro ser temido que amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos homens se pode dizer, duma maneira geral, que são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de lucro, e enquanto lhes fazes bem são inteiramente teus, oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos, quando, como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele chega, revoltam-se.

MAQUIAVEL, N. O príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.

A partir da análise histórica do comportamento humano em suas relações sociais e políticas. Maquiavel define o homem como um ser

a) munido de virtude, com disposição nata a praticar o bem a si e aos outros.

b) possuidor de fortuna, valendo-se de riquezas para alcançar êxito na política.

c) guiado por interesses, de modo que suas ações são imprevisíveis e inconstantes.

d) naturalmente racional, vivendo em um estado pré-social e portando seus direitos naturais.

e) sociável por natureza, mantendo relações pacíficas com seus pares.

Alternativa C é a correta.
Maquiavel não era maniqueísta e não acreditava em disposição nata ou qualquer faculdade atribuída naturalmente.
Contar apenas com a fortuna (acaso) e com o dinheiro também não define a natureza do homem.

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