Gênero lírico

O gênero lírico tem sua história ligada à sonoridade e à musicalidade, além de estar intimamente relacionado à subjetividade, que é marcada pela voz de um eu lírico.

O gênero lírico corresponde aos textos que são marcados pela subjetividade, isto é, a visão de um eu acerca de algo específico, determinada pelo seu ponto de vista, suas sensações, reflexões e sentimentos. Essa instância é chamada de eu lírico, sendo comum em poemas. Saiba mais detalhes na sequência!

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O que é gênero lírico

Esse gênero nasceu na Grécia Antiga, onde poetas produziam poemas relacionados às complexidades e particularidades dos seres humanos, ou seja, o foco não era falar de heróis e seus grandes feitos – como no gênero épico. O termo lírico vem de lira, instrumento musical que acompanhava tais textos poéticos que, inicialmente, eram feitos para serem cantados, e não lidos solitariamente – como se faz atualmente ao ler poemas.

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Além de estar ligado à musicalidade, o gênero lírico expressa experiências individuais e, portanto, subjetivas. Dessa maneira, há um eu que se expressa por meio de versos melódicos, a fim de expor seu mundo interior – marcado por pensamentos próprios, impressões acerca do mundo, bem como sentimentos e sensações.

Gêneros literários

Os gêneros literários são divididos tradicionalmente em épico (poema narrativo longo, chamado de epopeia, sobre acontecimentos protagonizados por heróis), dramático (textos criados com base na ação para serem encenados buscando a mimese, com foco sobretudo na celebração de deuses, sendo suas principais expressões a tragédia e a comédia) e lírico, sobre o qual aprofundaremos aqui. A princípio, todos tinham versos e estrofes como estrutura comum.

Contudo, faz-se importante mencionar que há estudiosos da literatura e diversos manuais da área que consideram outro gênero no mundo moderno: o narrativo (histórias de pessoas comuns, estruturadas em parágrafos e não mais em versos, como romances, contos, novelas etc.).

O eu lírico

Se, nas narrativas, temos o narrador (aquele que conta a história de um determinado ponto de vista), em poemas, nós temos o eu lírico – um “ser de papel” e fictício que fala no texto poético e que não deve ser confundido com o escritor, que é um ser real, existente.

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Essa é a instância responsável por transmitir um olhar ou um ponto de vista por meio dos versos. Geralmente, faz uso da 1ª pessoa do singular (eu) ao falar, podendo usar o plural (nós) ou até mesmo a 3ª pessoa, seja do singular (ele/a) ou do plural (eles/as), se a intenção for expor suas expressões acerca de uma pessoa ou grupo.

Características do gênero lírico

São muitas são as características desse gênero e, assim como nos demais, essas particularidades vão se reformulando conforme a definição e produção de literatura na contemporaneidade. Vamos às principais características:

  • Versos: são linhas poéticas, que podem ser breves ou longas.
  • Estrofes: compostas pelo conjunto de versos agrupados em um mesmo bloco. São separadas uma da outra por uma linha em branco.
  • Rima: é responsável pela criação de musicalidade nos poemas, sendo composta pela repetição de sons que criam uma cadeia melódica. Há vários tipos de rima, que vão depender da posição em que as rimas se encontram nos versos (cruzadas ou alternadas – esquema ABAB, emparelhadas ou paralelas – esquema AABB, interpoladas ou opostas – esquema – ABBA, misturadas – ABACDAB, entre outras possibilidades), da classe gramatical à qual as palavras pertencem (pobre – palavras de mesma classe gramatical, rica – palavras de diferentes classes gramaticais, versos brancos – quando não apresentam rimas) e da disposição tônica dos termos empregados (rima aguda – oxítonas, rima grave – paroxítonas, rima esdrúxula – proparoxítonas).
  • Subjetividade: conforme já mencionado, a subjetividade é marcada pelo ponto de vista do eu lírico, que nos revela, por meio dos versos, suas percepções acerca de pessoas, coisas etc.

Por fim, vale ressaltar que a rima não é obrigatória em poemas. A partir do Modernismo no Brasil, é comum encontramos poemas nos quais essse elemento não se faz presente e, sendo assim, são compostos por versos brancos ou nulos. Mesmo com essa ausência, o poema tem uma musicalidade própria, devido ao jogo sonoro presente em todas as palavras, uma vez que possuem sílabas tônicas, ou seja, mais fortes no que diz respeito ao som.

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Formas poéticas líricas

No gênero lírico, existem formas poéticas, algumas mais tradicionais e outras mais atuais. Veja as cinco principais e exemplos a seguir:

Elegia

Trata-se de cantos fúnebres comuns na Grécia Antiga, ou seja, tinham o intuito de expressar luto vivenciado pelo eu lírico ou até por uma pessoa ilustre. Contudo, no Renascimento, passou a expressar sentimentos tristes e melancolia.

A seguir, confira um exemplo de elegia do período do Modernismo brasileiro, escrito pela poeta Cecília Meireles e dedicada à sua vó, que havia falecido:

Elegia
Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus olhos.
Tive medo de a enxugar: para não saberes que havia caído.

No dia seguinte, estavas imóvel, na tua forma definitiva,
modelada pela noite, pelas estrelas, pelas minhas mãos.

Exalava-se de ti o mesmo frio do orvalho; a mesma claridade da lua.

Vi aquele dia levantar-se inutilmente para as tuas pálpebras,

e a voz dos pássaros e das águas correr
— sem que a recolhessem teus ouvidos inertes.

Onde ficou teu outro corpo? Na parede? Nos móveis? No teto?

Inclinei-me sobre o teu rosto, absoluta, como um espelho,
E tristemente te procurava.
[…]
(Cecília Meireles)

Ode

Forma poética múltipla da Grécia Antiga, também chamada de Hino, era utilizada para expressar diversos temas. Por exemplo, para exaltar deuses e homens grandiosos, bem como seus feitos, e falar a respeito de prazeres, amor e modos de vida. As odes mais antigas de que se tem conhecimento são atribuídas à poeta grega Safo de Lesbos e ao poeta Alceu.

Leia uma ode na sequência, da poeta Safo, que é um hino de exaltação à deusa Afrodite:

Ode a Afrodite
Ó Afrodite sem-morte, do manto florido ofuscante,
filha de Zeus, tecelã de ardis,
suplico-te, ó dominadora,
não me abatas de angústias e dores

mas vem a mim. Como da outra vez
em que de longe minha voz
escutastes, e do pai deixada a casa,
no áureo coche viestes.

Soberbos velozes pássaros
sobre a negra terra te trouxeram,
rápidas asas movendo
pelo ar celeste.

E eis que chegaram. E tu, Bendita,
sorridente do rosto imortal
indagas do que novamente sofro
e a que te invoco outra vez,

e o que mais desejo
que na alma inquieta se cumpra.
“A quem queres que dobre a teu amor,
ó Safo? Quem te ofende?

Aquela que ora foge, logo te seguirá,
a que favores recusa, os oferecerá,
e se não ama, em breve,
contra vontade amará”.

Vem pois a mim, e agora,
dissolve o duro tormento,
ocorra o que anseia minh’alma,
alia-te a mim, Afrodite!
(Safo de Lesbos – Trad. Fabio Malavoglia)

Balada

Por sua vez, a balada tem origem na França medieval e, geralmente, tem os seguintes temas: episódios históricos relevantes, situações fantásticas e sobrenaturais e até melancólicas. Quando possui estrofes de oito versos, a última contém quatro e, quando tem estrofes de dez versos, a última possui cinco. Essa última estrofe é chamada de oferenda ou ofertório. Suas rimas geralmente são cruzadas e, ao fim de cada estrofe, há paralelismo – ou seja, a repetição de uma ideia ou conceito.

A seguir, leia uma balada do poeta medieval François Villon e observe as características dessa expressão poética de forma fixa:

Balada das damas dos tempos idos
Dizei-me em que terra ou país
Está Flora, a bela romana;
Onde Arquipíada ou Taís,
que foi sua prima germana;
Eco, a imitar na água que mana
de rio ou lago, a voz que a aflora,
E de beleza sobre-humana?
Mas onde estais, neves de outrora?

E Heloísa, a mui sábia e infeliz
Pela qual foi enclausurado
Pedro Abelardo em São Denis,
por seu amor sacrificado?
Onde, igualmente, a soberana
Que a Buridan mandou pôr fora
Num saco ao Sena arremessado?
Mas onde estais, neves de outrora?

Branca, a rainha, mãe de Luís
Que com voz divina cantava;
Berta Pé-Grande, Alix, Beatriz
E a que no Maine dominava;
E a boa lorena Joana,
Queimada em Ruão? Nossa Senhora!
Onde estão, Virgem soberana?
Mas onde estais, neves de outrora?

Príncipe, vede, o caso é urgente:
Onde estão elas, vede-o agora;
Que este refrão guardeis em mente:
Onde estão as neves de outrora?
(François Villon)

Soneto italiano

Tem origem na Itália Renascentista e foi popularizado por Francesco Petrarca, sendo uma das formas poéticas mais conhecidas e estudadas. Sua estrutura é fixa: dois quartetos (estrofes de quatro versos cada), com rimas alternadas (ABAB) ou opostas (ABBA), e dois tercetos (estrofes de três versos cada), com rimas encadeadas (CDC-DCD), totalizando 14 versos ao todo. Já os temas são diversos: podem versar sobre sociedade, amor, fazer sátiras etc.

Leia um soneto de Luís Vaz de Camões a seguir, observando sua estrutura única, bem como seu tema:

Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor
(Luís Vaz de Camões)

Haicai (ou Haikai)

Tem origem asiática, embora alguns estudiosos generalizem dizendo ser de origem oriental, e foi popularizado por Matsuô Basho. Essa forma poética é concisa, ao mesmo tempo em que apresenta uma percepção muito poética, focada nos momentos breves da vida. Sua estrutura é igualmente breve: possui três versos apenas, que devem ter cinco, sete e cinco sílabas poéticas, respectivamente.

Confira um tradicional haicai de Basho e veja suas características:

Borboletas e
aves agitam voo:
nuvem de flores.
(Matsuô Basho – Trad. Gustavo Frade)

Agora que você conhece algumas das principais formas poéticas do gênero lírico, continue aprofundando seus conhecimentos acerca do assunto com as videoaulas que separamos a seguir.

Saiba mais sobre o gênero lírico

Nos vídeos a seguir, você pode acompanhar videoaulas que vão te auxiliar a compreender ainda mais o que é gênero lírico, poema, poesia, eu lírico, entre outras informações.

O gênero lírico e sua história

A professora Fabi Retamero explica o gênero lírico, sua história e principais características. Além disso, ela pontua as diferenças entre poema e poesia e fala sobre a presença da poesia no dia a dia.

Lirismo e eu lírico

Aqui, o professor Fabrício vai explicar o que significa lirismo, o que é um eu lírico e como identificá-lo em um poema. Não perca!

Poema e sua estrutura básica

O gênero lírico tem sua expressão por meio de poemas, nos seus mais variados formatos. Mas você sabe o que é poema e sabe como é composta a sua estrutura? Atente-se às definições apontadas pela Wlange Keindé e fique por dentro desse assunto.

Nesta matéria, você aprendeu o que é o gênero lírico, eu lírico, suas principais características e formas poéticas. Agora, continue seus estudos de Literatura e leia mais sobre outros gêneros literários.

Referências

Gêneros literários – Angélica Soares (2007)
Introdução à literatura / Trovadorismo – Rodrigo Marques de Oliveira (Sem ano)

Estela Santos
Por Estela Santos

Doutoranda em Letras - Estudos Literários (UEM), professora, redatora e mediadora do #LeiaMulheres - Maringá.

Como referenciar este conteúdo

Santos, Estela Pereira dos. Gênero lírico. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/genero-lirico. Acesso em: 26 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1.

Sobre o gênero lírico, estão corretas, exceto:

a) Gênero marcado pela subjetividade dos textos. Presença de um eu lírico que manifesta e expõe seus sentimentos e sua percepção acerca do mundo.
b) As mais conhecidas estruturas formais do gênero lírico são a elegia, o soneto, o hino, a sátira, o idílio, a écloga e o epitalâmio.
c) São longos poemas narrativos em que um acontecimento histórico protagonizado por um herói é celebrado.
d) Nota-se, no gênero lírico, a predominância de pronomes e verbos na 1ª pessoa e a exploração da musicalidade das palavras.
e) Os poemas do gênero lírico podem apresentar forma livre ou estruturas formais.

A resposta correta é: C.

As características apontadas nessa alternativa referem-se ao gênero épico, no qual personagens heroicos vivenciam acontecimentos históricos e grandiosos.

2.

Leia o texto a seguir e assinale a afirmativa correta na sequência.

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(Vinícius de Moraes)

De acordo com as características estruturais e temáticas, o texto acima pode ser classificado como:

a) lírico.
b) épico.
c) narrativo.
d) dramático.

A resposta correta é: A.

O texto em destaque é um soneto, forma de expressão lírica tradicional e universal estudada nesta matéria. Sua estrutura é marcada por dois quartetos, dois tercetos e rimas, as quais dão ritmo e sonoridade aos versos.

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