Bocage

Bocage é um dos principais poetas portugueses. Participou da escola árcade, mas não se limitou a ela desenvolvendo uma obra diversificada com destaque para os sonetos

Bocage foi o grande nome do Arcadismo português. Além de escrever, traduziu muitos livros do francês e do latim incluindo obras clássicas de Virgílio, Ovídio, Voltaire e La Fontaine. O escritor teve uma vida repleta de aventuras e produziu em um período de transição da literatura clássica para a de estética romântica. Conheça mais sobre Bocage a seguir!

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Biografia de Bocage

Fonte: Wikipédia

Manuel Maria de Barbosa l’Hedois du Bocage (Setúbal – 1765, Lisboa – 1805) atuou no exército e na marinha real portuguesa, com a última viajou para o Oriente e morou na Índia. Escreveu peças de teatro e diversas categorias de poemas, desde líricos, satíricos e eróticos a religiosos, por isso sua escrita é comparada à do escritor brasileiro Gregório de Matos. Bocage morreu de aneurisma aos 40 anos.

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Neoclassicismo
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Gregório de Matos
Autor baiano conhecido como "Boca do Inferno" pela sua poesia satírica que criticava incisivamente a sociedade baiana do século XVII.

Obras de Bocage

Abaixo, listamos para você as principais obras literárias de Bocage. Lembramos também que o escritor produziu inúmeras traduções literárias de outros autores.

  • Rimas
  • A Morte de D. Ignez
  • A Pavorosa Ilusão
  • A Virtude Laureada
  • Elegia
  • Mágoas Amorosas de Elmano
  • Queixumes do Pastor Elmano Contra a Falsidade da Pastora Urselina
  • Bocage publicou apenas as Rimas em vida, totalizando três volumes: o primeiro em 1791, o segundo em 1799 e o terceiro em 1804.

    Características da obra de Bocage

    Bocage produziu uma obra muito diversa em conteúdo e estilo de escrita. Inicialmente, ele foi influenciado pelo neoclassicismo pregado na escola árcade, momento no qual ele assumiu o pseudônimo de Eumano Sadino para assinar seus textos. Depois, produziu uma escrita de estilo pré-romântico e, ao final da vida, elaborou poemas com temática religiosa.

    As principais características da escrita de Bocage são:

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    Racionalismo

    O autor apresenta um pensamento pelo viés da razão (em detrimento da fé e da religiosidade) para agir e experimentar as questões humanas e do mundo, uma característica do Arcadismo.

    Pastoralismo e bucolismo

    Bocage escreve pela perspectiva de um pastor perante o seu rebanho, o seu amor e a natureza. Essa última é muito retratada nos textos árcades como um elemento tranquilo e equilibrado. A natureza é abordada como um lugar simbólico para o ser humano que almeja um ideal de vida simples diante dela.

    Individualismo

    Bocage assume uma perspectiva individual (ao invés de um universalismo clássico) ao tratar dos sentimentos humanos, sempre permeado pela concepção fatalista, que é uma característica dos escritores pré-românticos. Sua linguagem apresenta construções em primeira pessoa, evidenciando ações sobre o “eu”.

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    Irreverência

    O escritor apresenta uma estética rica que envolve o uso de interjeições, reticências, exclamações e, por vezes, incorpora a linguagem coloquial na forma clássica do soneto. Por isso, Bocage ficou conhecido como um repentista que versava sobre o povo a partir da linguagem satírica, erótica e pornográfica, ironizando os seus contemporâneos em alguns poemas. Palavrões e vocabulário de baixo calão também são comuns nesses textos, muitos deles censurados.

    Conforme você viu, as características de Bocage dialogam com seus diferentes momentos de escrita ao longo da vida.

    Poemas de Bocage

    Bocage escreveu sobre os mais diversos assuntos na forma clássica do soneto, influenciado pelo estilo de Camões. Sua poesia bucólica segue a escola árcade, tematizando a natureza e o campo em uma perspectiva pastoreira; já sua poesia lírica pré-romântica versa sobre os infortúnios da vida humana sendo a morte um tema constante dos textos, enquanto a poesia satírica é irreverente e provocadora, por vezes, apresentando uma linguagem grosseira.

    Olha, Marília, as flautas dos pastores
    Olha, Marília, as flautas dos pastores
    Que bem que soam, como estão cadentes!
    Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
    Os Zéfiros brincar por entre as flores?

    Vê como ali beijando-se os Amores
    Incitam nossos ósculos ardentes!
    Ei-las de planta em planta as inocentes,
    As vagas borboletas de mil cores.

    Naquele arbusto o rouxinol suspira,
    Ora nas folhas a abelhinha pára,
    Ora nos ares sussurrando gira.

    Que alegre campo! Que manhã tão clara!
    Mas ah! Tudo o que vês, se eu não te vira,
    Mais tristeza que a noite me causara.

    Esse poema é um exemplo clássico de texto arcádico, pois apresenta um eu-lírico que conversa com a sua musa, observando os pastores e a natureza em um clima harmônico e equilibrado.

    A Camões, comparando com os dele os seus próprios infortúnios
    Camões, grande Camões, quão semelhante
    Acho teu fado ao meu quando os cotejo!
    Igual causa nos fez perdendo o Tejo
    Arrostar com o sacrílego gigante:

    Como tu, junto ao Ganges sussurrante
    Da penúria cruel no horror me vejo;
    Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
    Também carpindo estou, saudoso amante:

    Lubíbrio, como tu, da sorte dura,
    Meu fim demando ao Céu, pela certeza
    De que só terei paz na sepultura:

    Modelo meu tu és… Mas, ó tristeza!…
    Se te imito nos transes da ventura,
    Não te imito nos dons da natureza.

    Bocage compara sua vida à de Camões (o autor gostava de construir esse paralelismo biográfico com seu antecessor), tematizando os infortúnios experimentados por ambos e trazendo a morte como o único destino certo de todos.

    Lá quando em mim perder a humanidade
    Lá quando em mim perder a humanidade
    Mais um daqueles, que não fazem falta,
    Verbi-gratia – o teólogo, o peralta,
    Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

    Não quero funeral comunidade,
    Que engrole sub-venites em voz alta;
    Pingados gatarrões, gente de malta,
    Eu também vos dispenso a caridade:

    Mas quando ferrugenta enxada idosa
    Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
    Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

    “Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
    Passou a vida folgada, e milagrosa;
    Comeu, bebeu, fodeu, sem ter dinheiro”.

    No poema acima, Bocage utiliza uma linguagem sarcástica para criticar a nobreza e o clero, além de expor sua ironia e palavrões ao final do soneto.

    Conforme você viu, Bocage versou sobre temas diversos em sua poesia, por isso a obra do poeta é dividida em diferentes momentos: o neoclássico, o pré-romântico, o satírico e erótico.

    5 frases de Bocage

    Abaixo, listamos algumas frases famosas retiradas dos poemas de Bocage.

    1. “Ah! Se a vossa liberdade/ Zelosamente guardais,/ Como sois usurpadores/ Da liberdade dos mais?” (Obras poéticas)
    2. “Rasga meus versos, crê na eternidade!” (Poemas)
    3. “Liberdade, onde estás? Quem te demora? / Quem faz que o teu influxo em nós não caia?” (Poemas)
    4. “Amor, o injusto Amor, nume doloso/ Insensível penedo a meus gemidos” (Poemas)
    5. “Aquele canta e ri; não se embaraça/ Com essas coisas vãs que so mundo adora/ Este (oh, cega ambição!) mil vezes chora/ Porque não acha bem que o satisfaça”. (Sonetos)

    Agora que você conheceu um pouco da obra de Bocage, confira algumas curiosidades sobre o autor no próximo tópico.

    Curiosidades sobre Bocage

    Separamos algumas curiosidades sobre a vida e a importância do escritor, leia a seguir!

    • Em homenagem ao poeta, o dia 15 de setembro (data de seu nascimento) é feriado em Setúbal, cidade natal de Bocage.
    • Em 1786, o escritor embarcou para a Índia e no caminho fez uma passagem pela cidade do Rio de Janeiro.
    • Bocage fez parte da Nova Arcádia (academia literária de Portugal com estética de oposição ao Barroco), mas, descontente com o movimento, satirizou os integrantes e foi expulso do grupo.
    • Por sua obra provocativa, Bocage chegou a ser preso em 1797, acusado de conspiração contra a segurança do Estado. Sob a intervenção de amigos, foi transferido para prisões inquisitoriais (em mosteiros e hospícios) sob a acusação, menos grave, de se insurgir contra a religião.
    • Conforme vimos, Bocage realmente teve uma vida repleta de aventuras!

      Vídeos sobre um poeta de múltiplas faces

      Vamos revisar o conteúdo? Veja os vídeos que selecionamos para fixar o que você aprendeu e apresentar outras informações sobre Bocage!

      Tudo sobre Bocage

      O professor Lucas Limberti apresenta a biografia e a obra do escritor, trazendo algumas curiosidades. Ao final do vídeo, há uma resolução de questões de vestibulares sobre Bocage. Confira!

      O arcadismo e o pré-romantismo em Bocage

      Neste vídeo, a professora Faieth fala sobre o contexto histórico de Portugal no momento da produção árcade e analisa alguns poemas de Bocage.

      Bocage: um poeta de muitos temas

      Nesta videoaula, a professora Débora explica as características do Arcadismo, a história de vida de Bocage e analisa alguns poemas. Assista!

      Agora que você já conhece Bocage e um pouco da sua produção literária, aprofunde seus conhecimentos sobre o Arcadismo!

      Referências

      O Perfil Perdido (2003) – Adalberto Gonçalves

      Bocage lírico: sonetos de amor e morte (2011) – Adriana Cristine dos Santos Silva, Camila Áxis Landin, Francidalva Rodrigues Dias

      Bocage – Obra completa – volume VII: Poesias eróticas, burlescas e satíricas (1987) – José Lino Grünewald (org.)

Érica Paiva Rosa
Por Érica Paiva Rosa

Professora, redatora e produtora cultural. Mestre em Letras pela UEM.

Como referenciar este conteúdo

Paiva Rosa, Érica. Bocage. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/bocage. Acesso em: 25 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UFJR]

Leia com atenção o texto de Manuel Maria Barbosa du Bocage, a seguir:

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura.
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mundo esquecimento e sepultura:
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados.

Não vos inspire, ó versos, cobardia,
Da sátira mordaz o furor louco,
De maldizente voz a tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco.

Sobre o soneto acima é correto afirmar

a) O amor é apresentado de maneira controlada, de acordo com os princípios do racionalismo e equilíbrio que orientavam a criação poética do Arcadismo.
b) O texto demonstra que Bocage, apesar de pertencer à Arcádia Lusitana, ultrapassa os limites do Arcadismo e antecipa características da inspiração poética do Romantismo.
c) O poeta se identifica com os bem-aventurados e solicita a piedade do leitor para com os seus versos.
d) A emoção não interfere na elaboração artística.
e) Sabe-se que Bocage foi um árcade rebelde; pertenceu à Nova Arcádia, mas foi expulso dela. O soneto em questão apresenta características formais neoclássicas e, quanto ao conteúdo, antecipa o sentimentalismo romântico.

Resposta: E
Justificativa: O poema apresenta características formais neoclássicas, por se tratar de um soneto, e antecipa o sentimentalismo romântico frente à emoção tematizada pelo sujeito que escreve.

2. [UNESP]

A veia satírica do poeta português Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805) está bem exemplificada nos seguintes versos:

A) Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah!, cego eu cria, ah!, mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.

B) Cândida pomba mimosa,
Ave dos níveos Amores,
Cingida por mãos das Graças
Dum lindo colar de flores:
Vênus, macia a meus versos,
Grata aos cultos que lhe dou,
Já desde o ninho amoroso
Para mim te destinou.

C) Assim como as flores vivem,
A minha Lília viveu;
Assim como as flores morrem,
A minha Lília morreu.
Assomando o negro dia,
Ave sinistra gemeu;
Cumpriu-se o funesto agouro:
A minha Lília morreu.

D) Refalsado animal, das trevas sócio,
Depõe, não vistas de cordeiro a pele.
Da razão, da moral o tom que arrogas,
Jamais purificou teus lábios torpes,
Torpes do lodaçal, donde zunindo
(Nuvens de insetos vis) te sobem trovas
A mente erma de ideias, nua de arte.

E) Senhor que estás no céu, que vês na terra
Meu frágil coração desfeito em pranto,
Pelas ânsias mortais, o ardor, o encanto
Com que lhe move Amor terrível guerra.

Resposta: D
Justificativa: O vocabulário utilizado nos versos “Refalsado animal, das trevas sócio”, “Jamais purificou teus lábios torpes”, “Torpes do lodaçal”, “A mente erma de ideias, nua de arte” mostram o tom satírico ao qual o poeta se refere ao ser criticado.

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