Voto de Cabresto

O voto de cabresto fez parte de um sistema político baseado na busca pelo poder político local. A dependência era uma das marcas desse fenômeno.

O voto de cabresto ficou conhecido por coagir o eleitor, via mecanismos impositivos, a escolher um candidato político por determinação de um chefe eleitoral. A grande questão é que muitos cidadãos não sabiam em quem estavam depositando seus votos, retratando a natureza do sistema.

Publicidade

Contexto histórico do Voto de Cabresto

Compreender a natureza política do voto de cabresto requer uma análise cautelosa da própria evolução da cidadania no Brasil. Conforme mencionado, o voto de cabresto foi um mecanismo de dominação política utilizado, em sua maioria, pelos coronéis para controlar as escolhas e a preferência eleitoral daqueles que tinham permissão para exercer a cidadania.

Em 1881, antes mesmo da proclamação da república, a Câmara dos Deputados aprovou uma lei que instaurou o voto direto. Além de excluir os analfabetos, essa determinava que o indivíduo necessitava possuir cerca de 200 mil-réis para votar.

Relacionadas

A Constituição de 1891
Promulgada durante o governo provisório de Deodoro da Fonseca, é a segunda Constituição do Brasil.
Política do café com leite
A política do café com leite foi um grande acordo entre o poder central e os estados de maior força econômica da época: Minas Gerais e São Paulo.

Isso reflete, por exemplo, nas estatísticas eleitorais de 1886, em que apenas 0,8% da população total votou. A seguir, entenda melhor o contexto político da época.

Relação com a República Velha: contradições republicanas

Em 1889, com a proclamação da república (conhecida como República Velha), pouca coisa mudou no campo político. Com relação ao voto, a única mudança foi a exclusão do pré-requisito da renda de 200 mil-réis. Os analfabetos, mulheres, membros de ordens religiosas, soldados e outros indivíduos continuaram sem poder votar.

O jornalista e escritor brasileiro, Lima Barreto, retrata bem esse momento histórico no romance “Os Bruzundangas”, definindo o Brasil como uma república imaginária em que “os políticos práticos tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral este elemento perturbador — o voto”. Isso demonstra o quanto o sistema eleitoral era frágil, uma espécie de liberalismo oligárquico.

Uma das novidades foi a inserção do federalismo seguindo o modelo dos Estados Unidos. Na prática, isso significava que os presidentes dos estados (os governadores, na atualidade) seriam eleitos pela “população”. A ideia de descentralizar o poder político tinha como finalidade aproximar o governo do povo via eleição estadual e municipal.

Publicidade

Contudo, essa aproximação beneficiou mais as elites locais, facilitando, inclusive, a formação das oligarquias estaduais amparadas pelos partidos únicos de cada estado. Foi nesse cenário da República Velha que o voto de cabresto encontrou o seu modus operandi.

Voto de Cabresto e Coronelismo

O coronelismo pode ser definido como um sistema político nacional no qual era comum as trocas de favores entre os coronéis e os presidentes dos estados, entre esses e o presidente da república. Esse sistema foi fruto da política tradicional da primeira república, o mandonismo.

Nesse cenário, o coronelismo inaugura um “novo fazer político”, muito propício para o voto de cabresto, conhecido como “república dos coronéis”. Esses ocupavam os cargos mais altos na hierarquia da Guarda Nacional e, consequentemente, ganharam poderes que facilitavam as fraudes eleitorais.

Publicidade

Em resumo, a prática coronelista se configurava como um sistema coercitivo que negava os direitos políticos e civis da população, fortalecendo o voto de cabresto.

Curral eleitoral e o Voto de Cabresto

“Para os amigos, pão; para os inimigos, pau”. Essa era uma das expressões populares que descreviam o domínio dos coronéis sobre a população, especialmente nos tempos de eleição. Assim, surgiram os “currais eleitorais”: espaços utilizados para manter os eleitores presos e fiscalizados pelos capangas dos coronéis. Dentro desse contexto violento, surgiam algumas práticas de voto de cabresto:

  • Voto fantasma: se o candidato não podia comparecer por qualquer razão, inclusive, por ter morrido, o voto ainda assim era contado. Aqui entrava uma figura importante, o “fósforo”, que se passava pelo verdadeiro votante. E o interessante é que esse personagem se passava por diversas pessoas já mortas em locais diferentes.
  • Voto aberto: prática que obrigava os dependentes de um coronel a votar no candidato escolhido por ele; às vezes, utilizava-se de documentos falsos para que menores e analfabetos pudessem votar. O “cabalista” fiscalizava os votos de um determinado candidato e garantia a inclusão do maior número de votantes possível.
  • Voto por compra e venda: alguns eleitores vendiam votos para os coronéis, pois a obediência nem sempre funcionava. O pagamento era realizado por meio de roupas, alimentos, animais, dinheiro etc.
  • Voto “a bico de pena”: o votante não precisava comparecer ao local, pois os responsáveis pelos bancos eleitorais efetuavam o voto “a bico de pena”, isto é, apenas com a caneta.
  • Voto de cajado: uma prática em que líderes religiosos utilizam de sua influência para conduzir todo um grupo de fiéis a optarem por votar no candidato indicado por eles. Há, portanto, uma relação próxima entre o setor religioso e o setor político.

O voto foi convertido em moeda de troca ou usado para garantir a dependência de um coronel local, subvertendo esse instrumento tão essencial numa sociedade democrática.

Voto de Cabresto nos dias atuais

Atualmente, é possível falar em voto de cabresto? Pensando diretamente nos moldes da primeiro república, não, pois, durante a “república dos coronéis”, o voto era aberto e grande parte do eleitorado estava submetido à política local dos chefes políticos. Entretanto, compreendendo que as vivências históricas se reformulam em suas continuidades, assumindo até mesmo uma nova “roupagem”, é possível, sim, identificar um voto de cabresto moderno.

Essa prática ocorre especialmente em cidades do interior, por meio das lideranças locais. Atualmente, não há mecanismos físicos de dominação, mas instrumentos de dominação psicológica, pelos quais o eleitor é conduzido a votar em um determinado candidato por medo de perder alguma garantia particular, como a sua renda ou bem material.

Outro instrumento de dominação é a via do suprimento temporário da condição socioeconômica de alguns cidadãos. São distribuídas cestas básicas, dinheiro ou algum tipo de recurso que, a curto prazo, beneficia o eleitorado. Já foram registrados casos em que alguns representantes políticos optavam por distribuir cerca de R$ 100,00 por voto de um eleitor.

Apesar de tantas décadas do sistema coronelista, o voto permanece sendo visto como mercadoria e a prática cidadã ainda é minada por todos os lados.

Vídeos sobre o Voto de cabresto

Como possibilidade de se aprofundar mais no assunto e de refletir sobre a importância do voto e da cidadania nos dias atuais, veja os vídeos a seguir!

O Voto de cabresto em poucos segundos

Nesse vídeo, a Assembleia Legislativa de Sergipe explica de forma geral como surgiu uma das principais práticas eleitorais fraudulentas. Um vídeo com poucos segundos mas que te fará refletir bastante!

Conheça o passado para não o repetir no presente

Nesse vídeo, o pessoal do canal “AvenidaCult” faz um panorama das principais características do voto de cabresto, evidenciando que essa prática retrocedeu, e muito, a cidadania.

Quem não lembra o passado está condenado a repeti-lo, por isso, é tão relevante entender e analisar a forma como o voto de cabresto foi naturalizado na sociedade brasileira. Ainda, refletir como, a atualidade, ele vem ganhando novas roupagens por meio das redes de dependências. Se você gostou de aprender sobre o tema, não deixe de conferir a matéria sobre a República Velha!

Referências

Cidadania no Brasil (2017) – José Murilo de Carvalho
Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma discussão conceitual (1997) – José Murilo de Carvalho

Thiago Abercio
Por Thiago Abercio

Historiador e mentor educacional formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de História e de Repertório cultural e Ideias, redator e analista de conteúdo. Atualmente realiza pesquisas na área de História da arte e das mentalidades.

Como referenciar este conteúdo

Abercio, Thiago. Voto de Cabresto. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/historia/voto-de-cabresto. Acesso em: 17 de June de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [ENEM - 2011]

Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. No plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os votos de cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa organização econômica rural.

LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978 (adaptado).

O coronelismo, fenômeno político da Primeira República (1889-1930), tinha como uma de suas principais características o controle do voto, o que limitava, portanto, o exercício da cidadania. Nesse período, esta prática estava vinculada a uma estrutura social:

A)igualitária, com um nível satisfatório de distribuição da renda
B)estagnada, com uma relativa harmonia entre as classes.
C)tradicional, com a manutenção da escravidão nos engenhos como forma produtiva típica.
D)ditatorial, perturbada por um constante clima de opressão mantido pelo exército e polícia.
E)agrária, marcada pela concentração da terra e do poder político local e regional.

A resposta correta é a E) agrária, marcada pela concentração da terra e do poder político local e regional.

O exercício da cidadania estava sujeito a uma rede de dependência e coerção, na qual o eleitorado estava subordinado ao contexto marcado pelo domínio da política local.

2. [UDESC - 2018]

“Na Bruzundanga, como no Brasil, todos os representantes do povo, desde o vereador até o Presidente da República, eram eleitos por sufrágio universal, e, lá, como aqui, de há muito que os políticos práticos tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral esse elemento perturbador – o voto”. (Lima Barreto, Os bruzundangas.) Escrito em 1917, o livro Os bruzundangas corresponde a uma forte sátira da sociedade brasileira.

Em relação ao trecho citado, é correto afirmar que Lima Barreto, por meio da ficção, refere-se:

A) às lutas populares pelo direito ao voto.
B) aos processos políticos que levaram ao fim do Império.
C) à participação das mulheres nos processos políticos nacionais.
D)às práticas políticas da Primeira República.
E) à suspensão das eleições diretas para presidente da República durante o governo militar.

A resposta correta é a D) às práticas políticas da Primeira República.

O trecho escrito pelo jornalista e escritor Lima Barreto retrata as práticas e dinâmicas políticas na primeira república.

Compartilhe

TOPO