Burguesia (ou Burguesias)

Apesar se estar associado à um termo bastante pejorativo nos dias atuais, um indivíduo pertencente à burguesia nem sempre foi visto dessa maneira. E entender isso significa pensar historicamente.

“Os que no regime burguês trabalham não lucram e os que lucram não trabalham”. Essa foi uma das afirmações feitas pelo filósofo alemão, Karl Marx, em sua obra intitulada “Manifesto do Partido Comunista”, no século XIX. Essa crítica foi um divisor de águas para pensar o que é burguesia, mas vale ressaltar que esse conceito modificou-se ao longo da história.

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Resumo

Termos e conceitos são construções históricas, ou seja, ganham significados e aplicações diversas a depender do contexto histórico. Burguesia, portanto, é um conceito com muitos significados, especialmente relacionados à dimensão econômica, social e cultural; e é devido a esse entendimento que devemos enxergar o conceito “burguesia” no plural – “burguesias”.

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De forma geral, pode-se pensar na burguesia de duas maneiras inter-relacionadas: um grupo de indivíduos pertencentes a uma mesma camada social que possui o domínio dos bens de produção (capital) dentro de uma dinâmica do sistema capitalista; e um conjunto de pessoas pertencentes a mesma camada social e com hábitos culturais semelhantes – o que não significa dizer uniformes.

A origem

O termo surge da palavra latina burgus, que, em sua tradução, significava “cidade”. Originalmente, a palavra foi associada à cidade devido aos germânicos que, durante o período denominado por “Alta Idade Média”, se designavam enquanto pertencentes ao bürg. Posteriormente, o termo se tornou mais comum devido à tomada da Inglaterra pelos normandos.

Ao falar sobre as origens do conceito “burguesia”, lida-se também, a grosso modo, com o declínio do período medieval – Baixa Idade média. Ou seja, com o enfraquecimento e esgotamento do sistema feudal (feudalismo), com o renascimento das atividades comerciais e urbanas, a consolidação do Estado Nacional, além das crises agrícolas, entre outros fatores.

A ascensão dos comerciantes permitiu que se instalasse, na Baixa Idade Média, um estilo de vida urbano. Esse processo contribuiu ainda mais para o desmanche da sociedade estamental. Os burgos (vilas e cidades) cresceram tanto que, já no século XIV, metade da população havia sido deslocada para as atividades comerciais.

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Em suma, a burguesia, inicialmente, estava atrelada às pequenas cidades, isto é, aos “burgos”, que se inseriam num contexto de renascimento das atividades comerciais e, em simultâneo, eram um dos seus maiores efeitos. A classe surge como um grupo social formado, em sua maioria, por comerciantes em busca de algo novo, o que, posteriormente, se transformou em um desejo por constante ascensão econômica.

Características

Falar das características da burguesia implica entender esse grupo social em sociedades em transformação. Sendo assim, o capitalismo comercial inaugura uma separação entre capital e trabalho, fugindo da lógica feudal de subsistência.

Uma característica da burguesia nesse período, portanto, foi a busca por prestígio e poder político. Foi apenas no final da Idade moderna, no século XVIII, que a classe burguesa passa a controlar predominantemente os meios de produção e acumular capital, reforçando a capitalização e o comércio, e criando uma nova ordem social, política e econômica, que culminaria no capitalismo.

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Desenvolvimento da burguesia na história

O fortalecimento de uma economia monetária, ou seja, baseada na utilização da moeda como meio de troca entre mercadorias, juntamente à formação de um mercado crescente foram marcos significativos no desenvolvimento da burguesia. A ascensão deste grupo na idade moderna criou possibilidades de luta por espaços sociais, políticos e culturais.

Com a formação dos Estados Nacionais, o poder político estava concentrado nas mãos do rei e de seus ministros que, devido às limitações dos grupos sociais dominantes, monopolizaram e ordenaram a vida política das cidades.

Com a nobreza em decadência e a burguesia ainda frágil, apesar de sua ascensão, esses grupos recorreram ao Estado para preservar os seus privilégios, fortalecendo ainda mais o poder do Estado moderno enquanto tal. Tal relação fez o Estado manter representantes da burguesia nos cargos reais; o incentivo ao lucro, a expansão do mercado e a exploração das colônias foram fundamentais para que uma burguesia mercantil fosse cada vez mais fortalecida.

A burguesia Industrial: um grupo em ascensão

Com a expansão marítima, o comércio europeu desenvolveu-se de forma qualitativa, inclusive ampliando o seu dinamismo e possibilidades de produtos. Esse processo proporcionou muitos lucros aos grupos mercantis, que puderam acumular primitivamente seus capitais. E foi justamente pela via do acúmulo e dos investimentos que a burguesia passa a contribuir para o desenvolvimento industrial, visto que grande parte das pessoas pertencentes a este grupo eram proprietários da maioria dos meios de produção.

Ainda dentro desse arco temporal, considera-se o século XVIII como palco das grandes revoluções burguesas em busca de maior ascensão, dentre elas a Revolução francesa (1789) e a Revolução Industrial, ocorrida nos séculos XVIII e XIX. Dessa forma, percebe-se que falar em burguesia industrial requer necessariamente falar nos processos de revoluções anteriormente citados, visto que tais eventos reconfiguram os espaços de poder nos diversos espaços da sociedade europeia.

A burguesia e o proletariado

Não é novidade para nós hoje, entender que a sociedade é formada economicamente por classes sociais. Falar em burguesia e proletariado é falar sobre dois grupos com interesses e posições totalmente diferentes entre si.

Ao afirmar que “a história da sociedade até os nossos dias é a história da luta de classes”, Karl Marx refletia não só sobre as diferenças, mas sobre o antagonismo entre esses dois grupos sociais. A teoria marxista, nesse sentido, nos ajuda a entender a existência e relação dessas duas classes. Segundo Marx, ainda em sua obra “Manifesto do Partido comunista”, enquanto a burguesia detém o domínio dos meios de produção e acumula os bens de capital, o proletariado tem a sua mão de obra explorada por não possuir o domínio dos meios de produção. Consequentemente, o sistema capitalista industrial baseia-se na exploração de um grupo em detrimento do domínio de outro.

Contudo, essa interpretação a respeito da burguesia e proletariado não é acabada em si mesma, mas apenas pioneira na análise desses dois grupos.

Uma burguesia no Brasil?

O Brasil possui uma experiência histórica totalmente distinta das ditas potências europeias. Enquanto na França (e em outras experiências semelhantes) a classe burguesa ascendeu por profundas transformações nas bases da sociedade, rompendo com as ordens políticas então existentes, no Brasil o que ocorreu, segundo o sociólogo Florestan Fernandes, foi um processo de recomposição das estruturas de poder entre a oligarquia e a burguesia emergente, por meio da conciliação dos interesses dessas duas classes.

Ao longo do processo histórico brasileiro, houve uma fusão entre o modelo burguês de dominação e os procedimentos autocráticos e conservadores da oligarquia, e tal relação impossibilitou a participação popular.

Durante o século XX, a burguesia brasileira buscou incessantemente o avanço econômico, enquanto os aspectos políticos foram deixados totalmente de lado. O sistema econômico que se instalava no país visava proporcionar o crescimento da economia aliado à manutenção das relações de dependência com as economias centrais. Portanto, nessa perspectiva, a burguesia no Brasil não pode ser entendida da mesma forma que as burguesias europeias, pois ela não se constitui como uma força política revolucionária capaz de modificar os fundamentos da sociedade.

Aqui ela surge como um efeito imediato da sociedade de classes, com a finalidade de ascender economicamente tendo em vista as condições desiguais existentes no Brasil. Por fim, a burguesia brasileira constitui-se das pessoas que detém bens de capital e o domínio dos meios de produção.

O conceito de burguesia atualmente

O conceito de burguesia está totalmente atrelado ao sistema capitalista e às atividades comerciais e de produção. Mas, após as transformações econômicas ocorridas até o tempo presente, tornou-se difícil dizer quais são as pessoas pertencentes à burguesia atualmente. O conceito tornou-se mais complexo e ainda mais plural!

De forma geral, é possível entender as pessoas pertencentes à burguesia como ainda detentoras de uma boa parcela do capital existente. O domínio sobre a propriedade continua sendo uma característica forte desse grupo social, e consequentemente o poder político e econômico na sociedade, apesar de sua diversidade. A burguesia, portanto, permanece ligada a fatores que a fizeram crescer há séculos atrás.

Vídeos sobre a burguesia em suas peculiaridades

Confira alguns vídeos que te ajudarão a entender e pensar ainda mais esse conceito de forma histórica, e olhar para o mundo de modo mais reflexivo e crítico.

O(s) significado(s) de burguesia

O significado de burguesia mudou bastante ao longo do tempo, indo desde os comerciantes habitantes dos burgos até o burguês da Idade Contemporânea. Um conceito histórico que ainda é atual.

Burguesia e proletariado

Neste vídeo, os historiadores falam um pouco sobre o quanto a sociedade é mais pautada na relação com os meios de produção do que pelo salário. Dá o play e se aprofunda!

Sobre a burguesia brasileira

Paulo Niccoli Ramirez eluciada a obra de Florestan Fernandes, que trata sobre a burguesia brasileira e como ela rompeu, ou ao menos deveria ter rompido, como a aristocracia.

Se você se interessou pelo desenvolvimento da burguesia na sociedade ocidental, a fim de entender a realidade atual, temos certeza que você irá se interessar em estudar sobre Absolutismo.

Referências

Uma História concisa (2001) – Marvin Perry.
História da Idade Média: textos e testemunhas (2000) Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez.
Manifesto do Partido Comunista (2015) – Karl Marx.
Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa (2015) – Antonio Carlos Mazzeo.

Thiago Abercio
Por Thiago Abercio

Historiador e mentor educacional formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de História e de Repertório cultural e Ideias, redator e analista de conteúdo. Atualmente realiza pesquisas na área de História da arte e das mentalidades.

Como referenciar este conteúdo

Abercio, Thiago. Burguesia (ou Burguesias). Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/historia/burguesia. Acesso em: 29 de March de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [FMTM]

O crescimento do comércio e das cidades na Baixa Idade Média:

A – consolidou as estruturas feudais, como a economia de subsistência e a suserania.
B – expandiu as atividades agrícolas, com o declínio do uso de moedas nas trocas.
C – fez surgir um novo grupo social, ligado às atividades artesanais e mercantis.
D – permitiu o desenvolvimento do trabalho livre, isento de quaisquer restrições.
E – criou uma infraestrutura tão adequada, que provocou intenso êxodo rural.

C – fez surgir um novo grupo social, ligado às atividades artesanais e mercantis.

O crescimento do comércio na Idade Média, com a expansão das feiras e mercados, além de colaborar para uma nova classe social, a burguesia, também permitiu o surgimento de uma forma de trabalho livre e isenta de restrições.

2. [UFRN]

O crescimento das cidades é um fenômeno da Europa ocidental a partir do século XI. Tratando sobre a questão, Pierre Vilar afirma:

“As cidades dependiam dos senhores. Mas elas foram mais fortes que as aldeias para discutir com seus amos, rebelarem-se, obter ou impor ‘cartas de franquia’. Coletivamente, continuavam vinculadas ao sistema feudal […]. Mas em seu território, e sobretudo dentro do recinto dentro da muralha, os habitantes eram livres e participavam da organização coletiva.”

VILAR, Pierre. Do feudalismo ao capitalismo. São Paulo: Contexto, 1992, p. 39.

Refletindo sobre essa afirmação, pode-se concluir que:

A – os moradores da cidade gozavam de significativa autonomia, mesmo submetidos à autoridade dos senhores, que lhes cobravam taxas.
B – os camponeses da aldeia medieval impuseram aos senhores feudais um documento que garantia autonomia política à comunidade.
C – os habitantes das cidades libertaram-se de inúmeras obrigações, entre elas a de participarem de corporações de ofício.
D – as populações urbanas eram isoladas por muralhas que as impediam de estabelecer relações socioeconômicas com o mundo feudal.

A – os moradores da cidade gozavam de significativa autonomia, mesmo submetidos à autoridade dos senhores, que lhes cobravam taxas.

Os moradores das recém-criadas cidades, mesmo vinculados ao sistema feudal, viviam relativamente livres e com certa autonomia. Foi nesse contexto que surgiu a classe burguesa.

3. [Unioeste]

“I. Burgueses e proletários. A história de todas as sociedades até hoje existente é a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das classes em conflito” (MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 40).

Assinale a alternativa CORRETA: para Karl Marx (1818-1883) como se originam as classes sociais?

A – As classes sociais se originam da divisão entre governantes e governados.

B – As classes sociais se originam da divisão entre os sexos.

C – As classes sociais se originam da divisão entre as gerações.

D – As classes sociais se originam da divisão do trabalho.

E – As classes sociais se originam da divisão das riquezas.

D – As classes sociais se originam da divisão do trabalho.

Para Karl Marx, as classes burguesa e proletária surgem graças a divisão do trabalho, que por sua vez, marca também as relações entre essas duas classes antagônicas.

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