Maniqueísmo

O Maniqueísmo é um termo muito conhecido atualmente pela polarização de conceitos e ideias. Ademais, trata-se de um movimento religioso de origem persa que compreendia o mundo sob um viés dualístico.

Fundado por Maniqueu no século III, o maniqueísmo nasceu como um movimento religioso que tem como principal característica o dualismo baseado no antagonismo entre os conceitos de bem e mal, luz e trevas, corpo e alma. Na Idade Média, foi criticado por Santo Agostinho que dedicou grande empenho para desmistificar a ideia do Mal propagada por Maniqueu e seus seguidores.

Publicidade

O que é maniqueísmo

A princípio, o maniqueísmo foi um movimento religioso dualístico radical originado na Pérsia. Conforme esta doutrina, a vida neste mundo é dolorosa e essencialmente cruel. Por outro lado, o bem reside em um mundo transcendental, na própria natureza divina. Apesar da nossa condição no mundo material, através do conhecimento podemos notar que mantemos uma conexão eterna e imanente com o mundo transcendental e, consequentemente, Deus. A salvação, portanto, está no conhecimento.

Relacionadas

Tomás de Aquino
É o príncipe da Escolástica, conhecido por elaborar as cinco vias que provam a existência de Deus. Conheça os principais pensamentos do filósofo italiano do século XIII.

Maniqueu, o fundador do maniqueísmo

Fragmentos de um livro maniqueísta de origem Uygur (c. VIII – IX d.C.). Fonte: Wikimedia.

Maniqueu, também conhecido como Mani, nasceu no sul da Babilônia (atual Iraque). Fundou sua religião maniqueísta após receber uma “revelação” divina quando tinha apenas 24 anos de idade. Então, iniciou sua pregação por todo o Império Persa, a princípio, sem impedimentos. Maniqueu se compreendia o último de uma longa linhagem de profetas, dentre Adão, Buda, Zoroastro e Jesus. Todavia, acreditava que, ao contrário destes, trazia uma mensagem universal que substituiria todas as outras religiões. Entretanto, com o tempo, conquistou a inimizade do rei, sendo condenado e preso por heresia. Seu julgamento durou 26 dias e é chamado por seus seguidores de “A Paixão do Iluminado”. Morreu por volta de 274 e 277 d.C. após sua condenação por esfolamento e crucificação.

Dicotomia maniqueísta

O termo dicotomia tem origem grega e significa “dividir em dois” e, na filosofia, é usado para denominar princípios opostos que expressem certa dependência entre si ou, em outras palavras, a divisão de um conceito em duas partes. Um exemplo disso é a ideia de Bem e Mal que fundamenta toda a doutrina maniqueísta. Afinal, no maniqueísmo são aceitos dois princípios: o da Luz e o das Trevas. Estes são representados no ser humano pela alma corpórea – concebida como má – e a alma luminosa – vista como bem. Portanto, é recorrente na doutrina de Maniqueu a ideia de oposição e contrariedade dos conceitos, sendo este o principal e mais conhecido fundamento do maniqueísmo.

Maniqueísmo e Santo Agostinho

No que concerne à origem do mal, a princípio, Santo Agostinho aceitou a solução dualista dos maniqueístas. Esta solução livra Deus da responsabilidade pelo mal, mas compromete sua onipotência, ou seja, seu poder sobre tudo, inclusive de fazer o mal deixar de existir. Devido a isto, o autor de Confissões passou a se identificar com o ponto de vista neoplatonista de que o mal consiste em privação ou corrupção do bem ao invés de algo substancial como faz parecer o Maniqueísmo. Sendo assim, em sua maturidade filosófica que também marca sua oposição ao maniqueísmo, Agostinho afirmará que todo ser é bom, tal como foi criado por Deus. Cabe ressaltar que existem vários graus de “ser” e “bem”, mas, em suma, tudo o que é real é bom em algum nível conforme determinada hierarquia.

Santo Agostinho ainda escreve que uma criatura só pode ser considerada má se ela fica aquém de sua bondade natural ao ser corrompida ou viciada. Isto é, só a corrupção em si é má, enquanto a essência da coisa em si permanece boa. Portanto, o filósofo se distingue dos maniqueístas, pois não se conforma com a existência de um ‘mal’ que contraponha o bem. Para ele, então, o mal não existe, senão pela própria ausência do bem e a essa ausência consideramos a corrupção e os vícios.

Publicidade

Maniqueísmo e gnosticismo

Gnosticismo é uma religião dualística que assegura a “salvação” através do conhecimento (gnosis) da verdade espiritual. Nesse movimento filosófico e religioso, crê-se que a vida neste mundo é dolorosa e cruel, sendo que a alma que compartilha da natureza divina caiu neste mundo material e a única forma de salvar-se é através da inteligência. Visto desse modo, o maniqueísmo não deixa de ser um tipo gnóstico. Todavia, a doutrina de Maniqueu possui algumas diferenças com o gnosticismo difundido no Ocidente. A principal seria que, no maniqueísmo, a humanidade em si não participa da salvação. Assim, a humanidade seria parte da própria divindade.

Em suma, o propósito da humanidade, para os maniqueístas, seria ajudar as partículas da luz que habitam em todos os seres vivos em sua ascensão para o divino. Se por um lado, a consequência da salvação dessas partículas é também a salvação da humanidade onde essas partículas residem, por outro lado, essa salvação é apenas indireta. Por isso, alguns maniqueístas tinham que obedecer as rígidas regras de nutrição e pureza para que os “eleitos” não se “sujem” e prejudiquem quaisquer coisas que contenham partículas de luz. Em geral, isso significa que a humanidade não é tão privilegiada no maniqueísmo quanto no gnosticismo. Ademais, algumas atitudes dos adeptos ao maniqueísmo geram críticas por parte dos gnósticos, como abstinências e determinação de “eleitos” a serem servidos por outros participantes. Para alguns críticos, por estes motivos, o maniqueísmo não pode ser considerado uma filosofia, mas, sim, um gnosticismo em sua forma mais arcaica.

Crítica ao maniqueísmo

Além das críticas já mencionadas por parte de Santo Agostinho e dos gnósticos, o maniqueísmo é criticado por sua visão simplista do mundo. Na psicanálise, essa simplificação é entendida como “uma forma primária do pensamento que reduz os fenômenos humanos a uma relação de causa e efeito, certo e errado, isso ou aquilo, é ou não é” (LIMA, 2001). Há ainda relação com a intolerância e o desconhecimento da verdade do outro, bem como da pressa em entender e reagir a situações que lhe são complexas. Isso significa o desprezo ao diálogo e ao pensamento crítico, filosófico e científico.

Publicidade

Analisando o cotidiano concreto, o maniqueísmo torna-se uma visão não rara, em especial, no ambiente político. Assim, o pensamento político ganha uma estruturação dualista que o reduz a dois extremos antagônicos, como: direita e esquerda; reacionário e progressista; capitalista e comunista; raça inferior e raça superior; cidadão de bem e vagabundo. Essa lógica é também usada para estigmatizar e marginalizar determinadas classes e grupos sociais, étnicos, culturais e religiosos, além de justificar genocídios a exemplo do que foi feito com judeus, homossexuais, ciganos, testemunhas de Jeová e portadores de deficiências físicas e mentais durante a Segunda Guerra Mundial, assim como ainda é praticado contra os muçulmanos rohingya em Mianmar.

Vídeos para aprender mais

Após apresentarmos os fundamentos básicos para a compreensão das principais ideias do Maniqueísmo, selecionamos alguns vídeos para complementar seus estudos.

Maniqueísmo em 2 minutos

Em 2 minutos, o professor Hilario Xavier sintetiza o significado do conceito de maniqueísmo.

Ética no Medievo

Neste vídeo, o professor Ibsen apresenta o contexto ético da Idade Média e o viés de Santo Agostinho sobre o maniqueísmo.

A vida e a filosofia de Santo Agostinho

É difícil falar de maniqueísmo sem mencionar o nome de Agostinho. Aqui, o The School of Life fala sobre a história e o contexto em que nasce a filosofia de Santo Agostinho. O áudio do vídeo é em inglês, mas é possível ativar legendas em português.

Tolkien e o Maniqueísmo

Seria o escritor Tolkien um maniqueísta? Com muitas referências à cultura pop, Vevs explica o maniqueísmo e fala sobre a “polêmica” do maniqueísmo aplicado à obra do autor de O Senhor dos Anéis.

Como visto, o Maniqueísmo teve origem no século III como um movimento religioso dualista radical e, desde então, sob diversas críticas, o termo é utilizado na linguagem corrente para denominar uma visão simplista da compreensão do mundo que dispensa o pensamento crítico e conhecimento em relação ao outro. Para aprender mais sobre um dos mais célebres críticos do maniqueísmo, explore também nosso conteúdo sobre Santo Agostinho.

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. – 5ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. Manichaeism. Encyclopædia Britannica, inc. Disponível em:https://www.britannica.com/topic/Manichaeism. Acesso em: 25 de junho de 2020.

LIMA, Raymundo de. O Maniqueísmo: o Bem, o Mal e seus efeitos ontem e hoje. Revista Espaço Acadêmico – Ano I – nº 7 – Dezembro de 2001.

MOORE, Edward. Gnosticism. Internet Encyclopedia of Philosophy. Disponível em: https://www.iep.utm.edu/gnostic/. Acesso em: 25 de junho de 2020.

TORNAU, Christian. Saint Augustine. The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2020 Edition), Edward N. Zalta (ed.). Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/sum2020/entries/augustine/. Acesso em: 25 de junho de 2020.

Thaís Bravin Carmello
Por Thaís Bravin Carmello

Licenciada e mestra em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá.

Como referenciar este conteúdo

Carmello, Thaís Bravin. Maniqueísmo. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/filosofia/maniqueismo. Acesso em: 30 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [ENEM]

“Se os nossos adversários, que admitem a existência de uma natureza não criada por Deus, o Sumo Bem, quisessem admitir que essas considerações estão certas, deixariam de proferir tantas blasfêmias, como a de atribuir a Deus tanto a autoria dos bens quanto dos males. Pois sendo Ele fonte suprema da Bondade, nunca poderia ter criado aquilo que é contrário à sua natureza.”
AGOSTINHO. A natureza do Bem. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2005 (adaptado).
Para Agostinho, não se deve atribuir a Deus a origem do mal porque
a) o surgimento do mal é anterior à existência de Deus.
b) o mal, enquanto princípio ontológico, independe de Deus.
c) Deus apenas transforma a matéria, que é, por natureza, má.
d) por ser bom, Deus não pode criar o que lhe é oposto, o mal.
e) Deus se limita a administrar a dialética existente entre o bem e o mal.

Resposta: D
Justificativa: A resposta está na última frase do enunciado: “Pois sendo Ele fonte suprema da Bondade, nunca poderia ter criado aquilo que é contrário à sua natureza”. Afinal, para Agostinho, Deus é bom e não criou o Mal, este se limita a ser a ausência e corrupção do Bem.

2. [Fundação Carlos Chagas]

“Se o Deus criador é o Ser perfeito e possui entre os seus atributos a Suprema Bondade, identificada de certa maneira com a Forma do Bem platônica, como é possível a existência do Mal? Teria o Deus sumamente bom criado o Mal? A ……, muito forte naquele período, defendia a existência de dois princípios equivalentes, o Bem e o Mal, em luta permanente, com uma tendência de identificação de ambos com Deus e o Demônio, respectivamente. ……, inspirado em Platão, defende que só o Bem existe, sendo o Mal apenas a ausência, ou privação, do Bem. Deus, o Ser perfeito, é sumamente Bom, mas os seres criados, inferiores na ordem do Ser, são imperfeitos e finitos, perecíveis. Daí se origina o Mal como falha, imperfeição. Esta é a solução ontológica, e também teológica, para o problema da existência ou da realidade do Mal.”
(MARCONDES, D. Textos básicos de ética. De Platão a Foucault. São Paulo: Jorge Zahar, 2007, p. 51)
As lacunas do texto acima podem ser preenchidas apenas por uma das alternativas abaixo. Qual alternativa é essa?
a) Doutrina aristotélica e Epicuro.
b) Doutrina estoica e Cícero.
c) Doutrina platônica e Aristóteles.
d) Doutrina maniqueísta e Santo Agostinho.
e) Doutrina platônica e São Tomás de Aquino.

Resposta: D
Justificativa: A primeira lacuna descreve uma doutrina que defende a existência do Bem e do Mal, portanto, o maniqueísmo. Já a segunda lacuna, descreve quem, inspirado em Platão, defende que apenas o Bem existe, sendo o Mal a ausência deste – esta pessoa é Santo Agostinho.

3. [UECE]

“O maniqueísmo é uma filosofia religiosa sincrética e dualística fundada e propagada por Manes ou Maniqueu, o filósofo cristão do século III, que divide o mundo simplesmente entre Bom, ou Deus, e Mau, ou o Diabo. A matéria é intrinsecamente má e o espírito, intrinsecamente bom. Com a popularização do termo, maniqueísta passou a ser um adjetivo para toda doutrina fundada nos dois princípios opostos do Bem e do Mal.”
Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Manique%C3%ADsmo.
Contra o maniqueísmo, Agostinho de Hipona (Santo Agostinho) afirmava que
a) Deus é o Bem absoluto, ao qual se contrapõe o Mal absoluto.
b) as criaturas só são más numa consideração parcial, mas são boas em si mesmas.
c) toda a criação era boa e tornou-se má, pois foi dominada pelo pecado após a Queda.
d) a totalidade da criação é boa em si mesma, mas singularmente há criaturas boas e más.

Resposta: B
Justificativa: Para Agostinho, Deus, que é o Sumo Bem, não poderia ter criado o Mal. O Mal, portanto, é apenas a ausência do Bem. Deste modo, as criaturas em si são boas, embora corruptíveis de modo que a ausência do Bem seja possível.

Compartilhe

TOPO