Cultura brasileira

Embora não haja um consenso sobre a cultura brasileira, ela revela debates importantes sobre desigualdades sociais e criatividade cultural.

A cultura brasileira é um tema polêmico e, a partir da simples questão sobre “o que nos torna brasileiros”, são suscitadas discussões importantes – ou seja, sobre a própria formação do Brasil e os povos envolvidos nessa construção. Abaixo, compreenda mais sobre esse debate e sua relevância para os dias atuais.

Publicidade

O que é a cultura brasileira

Por cultura brasileira entende-se genericamente a cultura (ou culturas) que marcam a identidade nacional, ou seja, o “quem somos nós” como nação. Como descreve o antropólogo Roberto DaMatta, “o que faz do brasil, Brasil”.

Relacionadas

Estereótipos
Os estereótipos são uma forma de simplificar e classificar pessoas conforme suas marcas sociais. Eles podem reforçar características boas, mas também preconceitos.
Eurocentrismo
O eurocentrismo está relacionado com processos mundiais iniciados com a Europa, como a colonização, o racismo, o capitalismo e a globalização.
Racismo
O racismo deve ser entendido de modo estrutural, ou seja, como uma violência que é constitutiva das nossas relações sociais - que devem ser transformadas.

Entretanto, o que faz o Brasil é sempre uma pergunta – não há uma resposta definitiva e absoluta, pois a identidade cultural e nacional é sempre uma relação de diferença com um outro. Além disso, em uma possível resposta, precisamos ser críticos às desigualdades sociais.

Principais características

Quais são as características da nossa cultura que nos tornam brasileiros? Tradicionalmente, uma resposta a essa pergunta é dizer que a cultura brasileira é formada pela miscigenação entre portugueses, africanos e indígenas.

Um segundo caminho de resposta é pelo jogo identitário: brasileiros são receptivos, ouvem música popular, gostam de samba, carnaval e futebol, adoram os amigos, o sol, e sempre dão um “jeitinho” para obter o que querem; ao contrário, por exemplo, de um norte-americano ou um coreano.

Ainda, uma terceira forma dará atenção às desigualdades sociais produzidas a partir da colonização, a história da escravidão, a formação do Brasil-nação e as exclusões sociais atuais. Afinal, que cultura brasileira é essa, em que a maioria dos brasileiros – que são negros – vivem em uma condição subalterna?

Publicidade

Esses três modos de responder sobre a cultura brasileira são possíveis, mas não completos – e não há respostas absolutas. Roberto DaMatta propõe ainda um quarto caminho, de afirmar que o que define o Brasil é uma capacidade criativa de acasalar, misturar, relacionar, ligar. Essas perspectivas poderão ser visualizadas nos tópicos seguintes.

Diversidade cultural no Brasil

A variedade de manifestações culturais de diferentes aspectos e origens no Brasil faz com que pensemos em culturas brasileiras, no plural. Abaixo, confira expressões típicas e que podem ajudar a pensar sobre a cultura nacional:

Carnaval

iStock

O carnaval é uma típica expressão cultural brasileira que expõe muitas de nossas contradições. Conforme a antropóloga Lélia Gonzalez, no carnaval se encena o mito da democracia racial, a integração de diferentes classes, ocultando o cotidiano desigual da realidade.

Publicidade

Umbanda

iStock

A umbanda é uma religião brasileira que surgiu a partir do hibridismo entre elementos religiosos de matriz africana com aquelas encontradas no Brasil – principalmente, o catolicismo. Assim, na umbanda parece estar impregnado, em partes, o sentido que Roberto DaMatta deu ao próprio Brasil: a capacidade criativa relacional, de ligação.

Catolicismo popular

iStock

Este é um caráter bastante marcado na cultura popular brasileira: uma religiosidade que está presente no cotidiano, relativamente independente da Igreja Católica, e que até subverte as tradições do catolicismo “oficial”. Nesse contexto, os santos estão presentes no dia-a-dia, e há práticas que se misturam com expressões culturais indígenas e africanas.

O “pretuguês”, ou o português afro-brasileiro

iStock

Segundo Lélia Gonzalez, algumas classes veem mal as pessoas que pronunciam “Framengo”, mas também não deixam de falar “cê”, “tá”, e outros modos de condensar as palavras. Conforme a antropóloga, todas essas expressões são “pretuguês”, ou seja, um vocabulário profundamente arraigado em culturas africanas – em que, por exemplo, não existe a letra “l”, pronunciando o “r” no lugar.

Samba

iStock

O samba, que é um gênero musical e uma dança que logo remete o Brasil, não está isento de controvérsias. Um de seus principais instrumentos, o violão, era considerado coisa de “gente de classe baixa”, sendo estigmatizado. Uma obra clássica na literatura brasileira, Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é uma boa ilustração do tema.

Os elementos apresentados acima são cheios de paradoxos, mostrando as tensões entre classes, a desigualdade racial, de gênero, e até o preconceito linguístico. De fato, ao analisar as expressões culturais, os conflitos de poder não devem ser ignorados.

Influências na cultura brasileira

Nesse ponto, à princípio, é retomada a primeira resposta sugerida para responder sobre a cultura brasileira – ou seja, como a mistura de etnias. Contudo, essa simples afirmação também será problematizada a seguir:

Cultura indígena

Os indígenas são os povos originários do território que veio a ser chamado Brasil que, antes da invasão colonial, somavam mais de 1000 etnias diferentes. Por essa razão, não podem ser tomados em uma única “cultura indígena”.

Entretanto, diferentes etnias indígenas tiveram influências significativas na cultura brasileira, como na religião – na umbanda ou no catolicismo popular, ou na língua – o Tupinambá foi uma das línguas que mais se fizeram presentes.

Cultura africana

Com o sistema escravista, populações africanas de diferentes etnias, com culturas diversas, foram trazidas à força para a colônia. A influência dessas manifestações culturais é tão intensa que, ao dizer “cultura brasileira”, já devia se implicar também a “cultura afro-brasileira”.

Assim, há presença de culturas africanas na alimentação – a tradicional feijoada, moqueca e vatapá; na arte – como no samba, ou mesmo na capoeira; na língua e nas religiões. Certamente, a presença de pessoas negras na cultura brasileira não se esgota aí.

Cultura portuguesa

A presença dos portugueses na formação do que veio a ser chamado Brasil é notável, sobretudo pela sua condição de colonizador. Assim, com essa invasão vieram as influências europeias, as ideologias eurocêntricas e seus modos de dominação.

Obviamente, uma das influências portuguesas mais notáveis é a adoção do português como o idioma oficial. Entretanto, essa consolidação de uma norma linguística nunca foi realizada totalmente, sendo inegável a contribuição de outras culturas.

Cultura europeia

No sentido da imigração, outros europeus – não mais na forma de colonizadores – chegaram ao Brasil em parte por uma política de branqueamento no país. Assim, se beneficiaram de políticas públicas para sua vinda e até hoje possuem comunidades com identidade cultural distinta.

Cultura asiática

A chegada de influências culturais asiáticas também veio no sentido imigratório, sobretudo na imigração japonesa. Um forte discurso que paira sobre essas comunidades é o da “integração”, ou seja, da adaptação à cultura brasileira.

Apesar disso, pessoas asiáticas são tratadas como se ainda fossem estrangeiras, estando presente em variadas representações de sua “cultura”.

De fato, as influências citadas dessas culturas estão centradas em uma breve história sobre o passado. Portanto, não se deve esquecer sobre suas contribuições atuais.

Hoje, o Brasil conta com mais de 53% de sua população autodeclarada como preta ou parda, conforme os critérios do IBGE. Assim, o número de pessoas não-brancas – contando também indígenas e amarelos – é majoritária no país.

Vídeos sobre as culturas brasileiras

Não é possível, portanto, termos apenas um discurso sobre o que é a cultura brasileira. Apesar disso, essa questão não se torna menos relevante, pois sugere debates importantes a serem realizados.

A questão da “cultura brasileira”

No vídeo acima, confira a uma explicação detalhada sobre o problema de definir o que é a “cultura brasileira”.

A cultura afro-brasileira

Não existe uma forma de falar sobre o Brasil de modo honesto sem falar das influências de culturas africanas. Logo, é necessário discutir sobre suas representações.

Presença indígena

Confira a um emblemático discurso e manifestação de Ailton Krenak em 1987. Ele é uma liderança indígena ainda forte, trazendo reflexões importantes sobre os povos originários no Brasil.

Brasileiro ou estrangeiro?

Por que algumas etnias são consideradas como parte do Brasil e outras não? O que significa, afinal, ser “brasileiro”? Amplie melhor essa discussão com o vídeo acima.

O Brasil conforme Roberto DaMatta

O antropólogo Roberto DaMatta é uma importante referência em estudos sobre as culturas brasileiras. Veja a uma entrevista do professor.

Assim, falar sobre cultura brasileira pode ser uma tarefa instigante e, desde que as pessoas estejam interessadas, pode gerar debates infindáveis. Para continuar ampliando o assunto, estude também sobre cultura e eurocentrismo.

Referências

O que faz o brasil, Brasil – Roberto DaMatta;

Racismo e sexismo na cultura brasileira – Lélia Gonzalez.

Mateus Oka
Por Mateus Oka

Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.

Como referenciar este conteúdo

Oka, Mateus. Cultura brasileira. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/cultura-brasileira. Acesso em: 19 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [ENEM]

A hibridez descreve a cultura de pessoas que mantêm suas conexões com a terra de seus antepassados, relacionando-se com a cultura do local que habitam. Eles não anseiam retornar à sua “pátria” ou recuperar qualquer identidade étnica “pura” ou absoluta; ainda assim, preservam traços de outras culturas, tradições e histórias e resistem à assimilação.
CASHMORE, E. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000 (adaptado).
Contrapondo o fenômeno da hibridez à ideia de “pureza” cultural, observa-se que ele se manifesta quando:
a) criações originais deixam de existir entre os grupos de artistas, que passam a copiar as essências das obras uns dos outros.
b) civilizações se fecham a ponto de retomarem os seus próprios modelos culturais do passado, antes abandonados.
c) populações demonstram menosprezo por seu patrimônio artístico, apropriando-se de produtos culturais estrangeiros.
d) elementos culturais autênticos são descaracterizados e reintroduzidos com valores mais altos em seus lugares de origem.
e) intercâmbios entre diferentes povos e campos de produção cultural passam a gerar novos produtos e manifestações.

Resposta: e

Justificativa: com a globalização, fenômenos como a hibridez começam a se tornar mais evidentes, gerados pela relação entre diferentes povos.

2. [ENEM]

A recuperação da herança cultural africana deve levar em conta o que é próprio do processo cultural: seu movimento, pluralidade e complexidade. Não se trata, portanto, do resgate ingênuo do passado nem do seu cultivo nostálgico, mas de procurar perceber o próprio rosto cultural brasileiro. O que se quer é captar seu movimento para melhor compreendê-lo historicamente.
MINAS GERAIS. Cadernos do Arquivo 1: Escravidão em Minas Gerais. Belo Horizonte: Arquivo Público Mineiro, 1988.
Com base no texto, a análise de manifestações culturais de origem africana, como a capoeira ou o candomblé, deve considerar que elas
a) permanecem como reprodução dos valores e costumes africanos.
b) perderam a relação com o seu passado histórico.
c) derivam da interação entre valores africanos e a experiência histórica brasileira.
d) contribuem para o distanciamento cultural entre negros e brancos no Brasil atual.
e) demonstram a maior complexidade cultural dos africanos em relação aos europeus.

Resposta: c

Justificativa: o resgate de uma identidade cultural africana pelos movimentos negros no Brasil trata-se de uma forma de valorizar os elementos africanos na história brasileira – uma influência que tem sido apagada, apesar do discurso corrente.

3. [UENP]

Do ponto de vista sociológico, o Brasil se constituiu sobre o mito da democracia racial principalmente depois da publicação de Casa grande e senzala de Gilberto Freyre (2003). De acordo com Florestan Fernandes (1965) o ideal de miscigenação fora difundido como mecanismo de absorção do mestiço não para a ascensão social do negro, mas para a hegemonia da classe dominante. O mito da democracia racial assentou-se sobre dois fundamentos: 1) o mito do bom senhor; 2) o mito do escravo submisso. Analise as afirmações:
I. A crença no bom senhor exalta a vulgaridade das elites modernas, como diria Contardo Calligaris, e juntamente com uma espécie de pseudocordialidade seriam responsáveis pela manutenção e o aprofundamento das diferenças sociais.
II. O mito do escravo submisso fez com que a sociedade de um modo geral não encarasse de frente a violência da escravidão, fez com que os ouvidos se ensurdecessem aos clamores do movimento negro, por direitos e por justiça.
III. As proposições legislativas sobre a inclusão de negros vão desde o Projeto de Lei que reserva aos negros um percentual fixo de cargos da administração pública, aos que instituem cotas para negros nas universidades públicas e nos meios de comunicação.
Assinale a alternativa correta:
a) todas as afirmações são verdadeiras.
b) apenas a afirmação II é verdadeira.
c) as afirmações I e III são verdadeiras.
d) as afirmações I e II são falsas.
e) todas as afirmações são falsas.

Resposta: a
Justificativa: o mito da democracia racial não fez com que as desigualdades raciais no Brasil diminuíssem; ao contrário, crer que no país não existe racismo – ao contrário do que muitos intelectuais e líderes já denunciavam há muito tempo – só corrobora para a manutenção dele.

4. [UNESP]

Cada cultura tem suas virtudes, seus vícios, seus conhecimentos, seus modos de vida, seus erros, suas ilusões. Na nossa atual era planetária, o mais importante é cada nação aspirar a integrar aquilo que as outras têm de melhor, e a buscar a simbiose do melhor de todas as culturas. A França deve ser considerada em sua história não somente segundo os ideais de Liberdade-Igualdade-Fraternidade promulgados por sua Revolução, mas também segundo o comportamento de uma potência que, como seus vizinhos europeus, praticou durante séculos a escravidão em massa, e em sua colonização oprimiu povos e negou suas aspirações à emancipação. Há uma barbárie europeia cuja cultura produziu o colonialismo e os totalitarismos fascistas, nazistas, comunistas. Devemos considerar uma cultura não somente segundo seus nobres ideais, mas também segundo sua maneira de camuflar sua barbárie sob esses ideais.
(Edgard Morin. Le Monde, 08.02.2012. Adaptado.)

No texto citado, o pensador contemporâneo Edgard Morin desenvolve
a) reflexões elogiosas acerca das consequências do etnocentrismo ocidental sobre outras culturas.
b) um ponto de vista idealista sobre a expansão dos ideais da Revolução Francesa na história.
c) argumentos que defendem o isolamento como forma de proteção dos valores culturais.
d) uma reflexão crítica acerca do contato entre a cultura ocidental e outras culturas na história.
e) uma defesa do caráter absoluto dos valores culturais da Revolução Francesa.

Resposta: d

Justificativa: conflitos entre povos diferentes sempre existiram; entretanto, a violência da colonização da civilização ocidental acabou submetendo várias culturas a uma posição de subordinação no plano mundial. Assim, o etnocentrismo passa a constituir a violência e a intolerância.

Compartilhe

TOPO