Raduan Nassar

Raduan Nassar é um autor de poucas obras. A qualidade de sua literatura em termos estéticos e temáticos, porém, o coloca entre os grandes da literatura brasileira.

Raduan Nassar apresenta uma obra reduzida em termos quantitativos, mas excepcional em relação à temática abordada e à estética literária. O romance “Lavoura Arcaica” e a novela “Um Copo de Cólera” são suas obras mais famosas e sedimentaram o autor paulista como um dos grandes nomes da prosa contemporânea pós-1970 no Brasil. Neste texto, você conhecerá mais sobre o escritor e as particularidades de sua escrita.

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Biografia

Raduan Nassar
Raduan Nassar. Foto de Juan Esteves.

Raduan Nassar nasceu em 1935, em Pindorama, no interior de São Paulo. É o sétimo filho do casal de libaneses João Nassar e Chafika Cassis. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, o escritor também iniciou o curso de Direito e de Letras, não finalizados. Viajou à Alemanha para aprender o idioma do país, mas retornou ao Brasil ao saber do golpe militar.

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Apesar da produção literária reduzida, Nassar ganhou, em 2017, o Prêmio Jabuti pelo livro Um Copo de Cólera e, em 2016, o Prêmio Camões por Lavoura Arcaica. Hoje, se dedica à produção rural em uma fazenda em Buri, São Paulo.

Características da escrita de Raduan Nassar

Após publicar dois romances, uma coletânea de contos e se aposentar do mundo literário, o escritor de descendência libanesa se consolidou como um dos grandes exemplos de autores com romances líricos em língua portuguesa. Nassar retrata imagens fortes, mas que se tornam belas pela linguagem poética adotada. Ele faz um mergulho no psicológico de suas personagens, ao discutir temas como os valores instáveis do patriarcado e a mutabilidade humana frente às interdições da individualidade.

Sua produção literária possui uma riqueza estilística e temática gigantesca. Para fins didáticos, as principais características do autor são:

  • Prosa lírica: a poesia não está apenas nos poemas. A poesia trata-se da forma como o eu se coloca diante do mundo. Dessa forma, mesmo um poema pode não conter poesia. Por isso, o poético também pode estar contido na prosa, no caso do romance lírico. Dilui-se a concretude da prosa narrativa, ao mesmo tempo em que são inseridos diversos elementos da poesia em sua constituição.
  • Fluxo de consciência: Nassar, ao utilizar o discurso indireto livre (fusão entre o discurso direto e indireto), apresenta os pensamentos de suas personagens com um alto grau de dinamicidade. Nesse sentido, a escrita do autor apresenta grande rigor e requinte estilístico.
  • Mergulho no psicológico das personagens: há um estudo das personagens e sua relação com o contexto em que estão inseridas. Em Lavoura Arcaica, por exemplo, Nassar destrincha o eu do protagonista, sua visão de mundo, seus anseios, seus conflitos e sua humanidade.

Ademais, no momento histórico em que estava, Nassar cria uma literatura cheia de oposições, contradições, além de uma atitude crítica sobre a estética e modelos narrativos presentes na década de 1970. Entretanto, em sua obra há o resgate do gênero clássico que é a parábola, por exemplo. Assim, o escritor rompe com a tradição, mas também resgata e valoriza o ancestral.

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Principais obras

Raduan Nassar pode ser enquadrado entre os principais autores da literatura brasileira. Seu livro mais famoso é Lavoura Arcaica, o qual recebeu uma adaptação para o cinema em 2001, e o filme foi elogiado pelo autor. Na lista abaixo, você poderá saber mais sobre as obras do escritor paulista. Lembre-se, porém, que nada substitui a leitura de uma obra literária em sua totalidade.

Lavoura Arcaica

Lavoura Arcaica abre com uma breve descrição e significativa cena de André em um hotel, compenetrado a se masturbar com os olhos focados no teto do quarto em que está. Em seguida, seu irmão Pedro chega para levá-lo novamente ao encontro da família. A amplitude da individualidade de André é transpassada e interrompida pela chegada do irmão, constituinte exemplar do cânone patriarcal, e delimita o escopo narrativo da obra: André consiste na ruptura da discursividade do pai, da herança passada para Pedro, da família em que o elo é essencialmente a figura masculina.

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Composto de trinta capítulos, o enredo do livro parte deste encontro inicial para uma conversa, ou melhor monólogo, em que André apresenta a Pedro, em um tom confessional, os motivos que o levaram a abandonar a casa da família, em especial o sufocamento causado pelo ambiente em que vivia. Nesse sentido, André, como narrador autodiegético e com altíssimo grau de densidade psicológica, leva o leitor a uma viagem pelas suas memórias, por um processo de rememoração característico do romance lírico.

Um Copo de Cólera

Um Copo de Cólera é considerado pela crítica literária um dos principais exemplares da literatura brasileira pós-1970. A obra acompanha um casal, que após uma intensa noite de amor, sofre uma ruptura violenta. Com apenas quatro capítulos, Raduan Nassar arquiteta uma narrativa intensa e permeada pelo estilo característico do autor: um clima tenso e marcado por emoções extremamente afloradas. A obra relaciona-se ao próprio clima de repressão da Ditadura Militar no Brasil.

Raduan Nassar, além das duas obras expostas anteriormente, também escreveu contos. Entre eles, pode-se citar os contos “Menina a Caminho”, “Mãozinhas de Seda” e “Hoje de Madrugada”. Além disso, deixou um ensaio sobre o Brasil, intitulado “A Corrente do Esforço Humano”. Todas as obras do autor paulista estão disponíveis em um compilado lançado pela Companhia das Letras.

Frases de Raduan Nassar

A estética literária de Raduan Nassar é inconfundível. O principal aspecto a ser notado em suas obras é o uso da prosa poética, dos períodos longos e pouco uso de pontos finais. A seguir estão elencadas apenas algumas citações das obras do autor paulista.

  • Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável […] (Lavoura Arcaica)
  • […] sabia que meus olhos eram dois caroços repulsivos […] (Lavoura Arcaica)
  • […] e que peso o dessa mochila presa nos meus ombros quando saí de casa; colada no meu dorso, caminhamos como gêmeos com as mesmas costas, as gemas de um mesmo ovo, com olhos voltados pra frente e olhos voltados pra trás […] (Lavoura Arcaica)
  • O sol já estava querendo fazer coisas em cima da cerração, e isso era fácil de ver, era só olhar pra carne porosa e fria da massa que cobria a granja e notar que um brilho pulverizado estava tentando entrar nela, e eu me lembrei que a dona Mariana […] (Um Copo de Cólera)
  • A menina se encanta acompanhando assim clandestinamente aquela disputa, sente um entusiasmo gostoso escondido atrás da discussão. (Menina a Caminho)

Portanto, Raduan Nassar representa uma ruptura, tanto no cerne de sua própria narrativa, quanto do momento histórico e literário que viveu. Suas obras permitem uma discussão riquíssima em termos estéticos e temáticos. Nassar, que escreveu pouco em termos numéricos, deixou um legado imenso para a literatura brasileira.

Referências

Curso de literatura brasileira – Sergius Gonzaga;
Lavoura Arcaica – Raduan Nassar;
Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar: continuidade e ruptura no ambiente de produção literária dos anos Setenta – Leonardo Menezes;
Lavoura Arcaica: Romance Lírico – Karen Cristina de Medeiros.

Leonardo Ferrari
Por Leonardo Ferrari

Graduado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá. É professor assistente em colégio de ensino médio. Nas horas livres, dedica-se à família, aos amigos, à sétima arte e à leitura.

Como referenciar este conteúdo

Ferrari, Leonardo. Raduan Nassar. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/raduan-nassar. Acesso em: 23 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UTFR]

Considere o trecho abaixo, que integra o livro Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar:

“[…] aprenderei ainda muitas outras tarefas, e serei sempre zeloso no cumprimento de todas elas, sou dedicado e caprichoso no que faço, e farei tudo com alegria, mas pra isso devo ter um bom motivo, quero uma recompensa para o meu trabalho, preciso estar certo de poder apaziguar a minha fome neste pasto exótico, preciso do teu amor, querida irmã, e sei que não exorbito, é justo o que te peço, é a parte que me compete, o quinhão que me cabe, a ração a que tenho direito”, e, fazendo uma pausa no fluxo da minha prece, aguardei perdido em confusos sonhos, meus olhos caídos no dorso dela, meu pensamento caído numa paragem inquieta, mas tinha sido tudo inútil, Ana não se mexia, continuava de joelhos, tinha o corpo de madeira, nem sei se respirava […]” (p. 124)

Sobre esse trecho, assinale a alternativa correta.

a) Ana se mantém imóvel diante do irmão, o que faz desse trecho um contraponto com outra cena central do romance, em que a sensualidade e exuberância da personagem serão expostas numa dança.
b) Esse trecho apresenta a figuração da linguagem característica das demais falas de André, exemplificando um discurso que cruza a linguagem enigmática das preces religiosas associado com metáforas ligadas à agricultura.
c) As falas de Ana só estão omitidas nesse trecho; em todo o restante do romance, no entanto, a irmã é a principal propagadora da ordem instituída pelo pai, enquanto o discurso de André se contrapõe ao deles.
d) O livro de Raduan Nassar faz referências explícitas ao texto bíblico, procurando demonstrar, como nesse trecho, que o instinto e as leis da natureza estão de acordo com a moralidade cristã.
e) A linguagem enigmática do texto religioso é típica do pai de André, e isso reforça o seu desacordo com o filho, cujas falas são sempre explícitas e concisas, sem referências aos textos religiosos.

Correta: a.
Justificativa: Em Lavoura Arcaica, Ana é uma figura paradoxal em relação ao irmão. Esse cenário fica explícito nas cenas descritas na questão a. A letra b está incorreta, pois essas metáforas relacionadas à agricultura não são utilizadas durante o romance todo por André. A letra c, por sua vez, mostra-se errada devido à personagem de Ana não se posicionar explicitamente durante a narrativa. A alternativa d salienta algo que não está presente no trecho. Por fim, a letra e está incorreta, uma vez que as falas de André não são explícitas e concisas no romance.

2. [ENEM]

Texto I
[…] já foi o tempo em que via a convivência como viável, só exigindo deste bem comum, piedosamente, o meu quinhão, já foi o tempo em que consentia num contrato, deixando muitas coisas de fora sem ceder contudo no que me era vital, já foi o tempo em que reconhecia a existência escandalosa de imaginados valores, coluna vertebral de toda ‘ordem’; mas não tive sequer o sopro necessário, e, negado o respiro, me foi imposto o sufoco; é esta consciência que me libera, é ela hoje que me empurra, são outras agora minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de problemas; num mundo estapafúrdio — definitivamente fora de foco — cedo ou tarde tudo acaba se reduzindo a um ponto de vista, e você que vive paparicando as ciências humanas, nem suspeita que paparica uma piada: impossível ordenar o mundo dos valores, ninguém arruma a casa do capeta; me recuso pois a pensar naquilo em que não mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade; me lixo com tudo isso! me apavora ainda a existência, mas não tenho medo de ficar sozinho, foi conscientemente que escolhi o exílio, me bastando hoje o cinismo dos grandes indiferentes […].
(NASSAR, R. Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das Letras, 1992)

Texto II
Raduan Nassar lançou a novela Um Copo de Cólera em 1978, fervilhante narrativa de um confronto verbal entre amantes, em que a fúria das palavras cortantes se estilhaçava no ar. O embate conjugal ecoava o autoritário discurso do poder e da submissão de um Brasil que vivia sob o jugo da ditadura militar.
(COMODO, R. Um silêncio inquietante. IstoÉ. Disponível em: http://www.terra.com.br. Acesso em: 15 jul. 2009)

Na novela Um Copo de Cólera, o autor lança mão de recursos estilísticos e expressivos típicos da literatura produzida na década de 70 do século passado no Brasil, que, nas palavras do crítico Antonio Candido, aliam “vanguarda estética e amargura política”. Com relação à temática abordada e à concepção narrativa da novela, o texto I:

a) é escrito em terceira pessoa, com narrador onisciente, apresentando a disputa entre um homem e uma mulher em linguagem sóbria, condizente com a seriedade da temática político-social do período da ditadura militar.
b) articula o discurso dos interlocutores em torno de uma luta verbal, veiculada por meio de linguagem simples e objetiva, que busca traduzir a situação de exclusão social do narrador.
c) representa a literatura dos anos 70 do século XX e aborda, por meio de expressão clara e objetiva e de ponto de vista distanciado, os problemas da urbanização das grandes metrópoles brasileiras.
d) evidencia uma crítica à sociedade em que vivem os personagens, por meio de fluxo verbal contínuo de tom agressivo.
e) traduz, em linguagem subjetiva e intimista, a partir do ponto de vista interno, os dramas psicológicos da mulher moderna, às voltas com a questão da priorização do trabalho em detrimento da vida familiar e amorosa.

Correta: d.
Justificativa: A letra d está correta, pois Um Copo de Cólera, a partir do discurso de suas personagens, explora problemas da sociedade da época. As demais alternativas não se relacionam tematicamente ao trecho apresentado; além disso, o discurso está em primeira pessoa.

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