Machado de Assis, maior escritor do Realismo no Brasil e aclamado com um dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa, teve uma vida cheia de particularidades com uma obra temática e estilisticamente relevante para a literatura nacional. Neste texto, você poderá saber um pouco mais sobre a biografia do autor e as principais características de sua extensa obra.
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Biografia
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, no Rio de Janeiro, filho de Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis. Sua mãe e seu pai morreram ainda durante sua infância, sendo criado pela sua madrasta, Maria Inês da Silva. Desde cedo, Machado de Assis sofreu com a epilepsia e a gaguez. Estudou em escola pública e teve aulas de francês e de latim com o padre Silveira Sarmento. Entretanto, construiu a maior parte de seu extenso repertório cultural sozinho e conseguiu adentrar no interior da classe burguesa da época, mesmo com as dificuldades por ser negro em uma sociedade ainda escravista.
Em 1855, com apenas 16 anos, tornou-se tipógrafo aprendiz na Imprensa Nacional e, na mesma época, escrevia seus primeiros versos para a revista A marmota. Posteriormente, começou a trabalhar na redação do Correio Mercantil e do Diário do Rio de Janeiro, conhecendo diversos escritores românticos do período. Aos 30 anos, casou-se com Carolina Xavier de Novais. Em 1870, o autor publicou Contos Fluminenses e, dois anos depois, seu primeiro romance, Ressurreição. Em 1873, foi nomeado primeiro-oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, carreira que seguiu até sua morte.
Amadurecimento como autor
Ainda na década de 1870, publicou diversas obras, entre elas: Histórias da Meia-Noite (1873), A Mão e a Luva (1873), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). Em 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas, marco de sua plenitude como autor realista e salto qualitativo em termos de produção, foi compilado em livro. Nas próximas duas décadas, Machado de Assis publicou Quincas Borba (1892), Páginas Escolhidas (1899) e Dom Casmurro (1900), entre outras obras que marcaram sua grandeza na literatura brasileira.
Também colaborou com a Revista Brasileira e foi um dos fundadores (cadeira nº 23) da Academia Brasileira de Letras, onde foi o primeiro presidente, cargo que ocupou durante 10 anos. Seu último romance, Memorial de Aires (1908), foi escrito após a morte de sua esposa. Morreu em 29 de setembro de 1908, na capital fluminense, devido a uma úlcera cancerosa.
A carreira literária de Machado de Assis
Conhecido primordialmente por seus romances, Machado de Assis também foi poeta, crítico, dramaturgo, tradutor, contista e cronista. O autor fluminense tornou-se o maior expoente da literatura no Brasil e foi um grande destaque da prosa realista brasileira. O escritor, que passou por uma primeira fase apenas tímida em termos de composição crítica e estilística, tem um salto qualitativo a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas e mergulha nos egoísmos e nas hipocrisias da classe burguesa brasileira do século XIX e início do XX.
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A obra de Machado de Assis é comumente dividida em duas fases: a primeira ainda com resquícios da era romântica; e a segunda, na qual o autor alcança o ápice de sua ficção e o categoriza como um escritor realista, apesar da latente dificuldade de o encaixar em uma escola literária.
A primeira fase da ficção machadiana: romântica
Apesar de mais próximo da era romântica, Machado de Assis, em sua primeira fase, quebra com Ressurreição (1872) alguns traços característicos dos românticos, como a idealização exacerbada. Entretanto, no período de transição que estava, o autor fluminense não era considerado romântico, nem realista. As principais características dessa fase são:
- Conformismo com os valores da época: Machado de Assis escreve para uma classe burguesa e não se atenta – ou busca não demonstrar em sua escrita – os valores deturpados da época. De forma geral, o autor compactua com as hipocrisias que, posteriormente na segunda fase, seriam desnudadas.
- Esquematismo psicológico: os romances inaugurais de Machado geralmente não possuem personagens com profundidade psicológica, isto é, são planos em sua essência. Machado constrói figuras que ficam na dicotomia bom e mau e, com isso, não há nenhuma discussão realmente aprofundada a partir delas.
- Linguagem carregada de lugares-comuns: apesar de haver em alguns momentos a utilização de recursos estilísticos interessantes, a primeira fase do autor distancia-se da complexidade narrativa e do uso da linguagem da segunda fase.
As principais obras da primeira fase de Machado de Assis são:
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- Contos Fluminenses (1870)
- Ressurreição (1872)
- Histórias da Meia-Noite (1873)
- A Mão e a Luva (1874)
- Helena (1876)
- Iaiá Garcia (1878)
A segunda fase da ficção machadiana: realista
Machado de Assis, em sua segunda fase, reinventou o romance brasileiro. Aqui há um aprofundamento no psicológico de suas personagens e a historicidade dá lugar para o íntimo do ser humano, seus anseios, além da própria hipocrisia da sociedade burguesa, desnudada em livros como Memórias Póstumas de Brás Cubas. As principais características dessa fase são:
- Destruição da narrativa linear: o narrador torna-se o centro do eixo narrativo e, portanto, a linearidade do enredo dissolve-se. Machado de Assis brinca com o leitor, que é lançado ao meio de dúvidas em relação às personalidades ambíguas das personagens.
- Análise psicológica: o interior das personagens é desnudado e o modo de ver o exterior muda conforme as reações psicológicas delas. Um grande exemplo disso é o narrador em primeira pessoa de Dom Casmurro que, a todo momento, tenta provocar e convencer o leitor de seu ponto de vista.
- Aparência e essência: há sempre essa dualidade nas obras machadianas da segunda fase. De um lado, vê-se o amor em contraponto à incapacidade de amar; a solidariedade frente ao egoísmo; a autenticidade e a dissimulação; a luta entre os valores morais das personagens; o racionalismo e o instinto. O mais interessante, porém, é que toda essa análise não esgota a imensidão das ações humanas descritas nas obras.
- Análise dos valores sociais: a ficção machadiana, ao focar no interior das personagens, também permite desconstruir os valores das classes dominantes da sociedade brasileira. A vida social que reverbera na obra de Machado de Assis permite discutir sobre diversos temas, como o casamento, a escravidão e a política. Romances como Memórias Póstumas de Brás Cubas e contos como Pai contra Mãe são o ápice da incisiva crítica social de Machado.
- Pessimismo: o pessimismo é presente em sua obra, mas essa visão pessimista do autor era decorrente de um reflexão sem ilusões da realidade. Um exemplo clássico é o fechamento do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, no qual o protagonista afirma “não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”, após relembrar todos os anos de sua vida fazendo parte da classe dominante fluminense.
- Humor: Machado de Assis recebeu influências de autores ingleses como Jonathan Swift e Laurence Sterne, especialmente no que diz respeito ao humor presente em sua obra. O leitor ri, mas, no final, fica desolado com os fatos apresentados.
- A desfaçatez de classe: por meio de personagens que estão em uma posição social abastada, Machado de Assis consegue denunciar suas imoralidades, seus desvios. Brás Cubas, por exemplo, apresenta diversos fatos em sua narração que evidenciam o descaramento moral da época.
- Perfeição expressiva: a linguagem machadiana é inventiva e com alto grau de refinamento. Mesmo que parte de seu vocabulário pareça antigo, há uma sensação dominante de modernidade estilística.
Como se pode notar, há um avanço gigantesco entre a primeira e a segunda fase de Machado de Assis, demonstrando um amadurecimento que permitiu alçar seu nome entre os grandes da literatura brasileira. As principais obras da segunda fase do autor são:
- Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)
- Papéis Avulsos (1882)
- Histórias sem Data (1884)
- Quincas Borba (1891)
- Várias Histórias (1896)
- Dom Casmurro (1899)
- Esaú e Jacó (1904))
- Memorial de Aires (1908)
Obras adaptadas
Como toda grande obra literária, os romances e os contos de Machado de Assis também foram adaptados diversas vezes para outras mídias, como o cinema, a TV e os quadrinhos. Elas não substituem o contato do leitor com a obra original, mas permitem um novo olhar sobre ela.
Memórias Póstumas de Brás Cubas (2001, longa-metragem)
Adaptação para o cinema do clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas. Escrito e dirigido por André Klotzel e estrelado por Reginaldo Faria, Marcos Caruso e Sônia Braga. Veja um trecho do filme no vídeo abaixo.
Capitu (2008, minissérie)
Baseada na obra Dom Casmurro, essa minissérie produzida pela Rede Globo conta com o roteiro de Euclydes Marinho e é estrelada por Maria Fernanda Cândido e Michel Melamed. A produção foi exibida em 2008 e recebeu o prêmio Leão Relações Públicas, na categoria Novas Mídias, no Festival Internacional de Publicidade de Cannes.
Memórias Póstumas de Brás Cubas (2013, HQ)
Baseado no livro homônimo, adaptado por Luiz Antonio Aguiar e ilustrado por Cesar Lobo, a obra acompanha a clássica história do defunto autor, que desmascara os valores da classe dominante da época.
Aprenda mais sobre Machado de Assis
A vida e a obra de Machado de Assis são repletas de nuances e de fatos interessantes. Para compreender melhor sobre esse autor, que é considerado o maior ficcionista brasileiro, veja os vídeos abaixo.
Quem foi Machado de Assis?
Neste vídeo, é possível compreender um pouco mais sobre a vida de Machado de Assis e alguns aspectos de sua obra.
O que foi o Realismo no Brasil?
Foi uma obra de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, que iniciou oficialmente o Realismo no Brasil. Neste vídeo, você aprenderá um pouco mais sobre essa escola literária e suas características.
Qual é o livro mais famoso de Machado de Assis?
Neste vídeo, você conseguirá sedimentar seu conhecimento sobre o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra que trouxe grande inovação na época em que foi publicada.
O alienista
Este vídeo da Acrópole Revisitada fala sobre outro importante texto de Machado de Assis: O alienista. Se você ainda não leu nada do autor, esta é certamente uma obra interessante por onde se começar, como você pode notar pelo que Luigi Ricciardi fala sobre a obra.
Machado de Assis consiste, portanto, no maior e mais lembrado nome da literatura brasileira. Suas obras, repletas de análises psicológicas e com extensa crítica aos valores sociais da época, são consideradas ainda hoje atuais e universais.
Referências
Curso de literatura brasileira – Sergius Gonzaga;
De Swift a Sterne: reflexões sobre o humor britânico na obra de Macha de Assis – William Valentine Redmond
História concisa da literatura brasileira – Alfredo Bosi;
Machado de Assis – Site oficial da Academia Brasileira de Letras;
Machado de Assis: Biografia – Academia Brasileira Letras;
Machado de Assis: vida e obra – Ministério da Educação;
Um mestre na periferia do capitalismo – Roberto Schwarz.
Por Leonardo Ferrari
Graduado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá. É professor assistente em colégio de ensino médio. Nas horas livres, dedica-se à família, aos amigos, à sétima arte e à leitura.
Ferrari, Leonardo. Machado de Assis. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/machado-de-assis. Acesso em: 13 de December de 2024.
1. [UFSCAR/SP]
Sobre Machado de Assis, pode dizer-se que:
a) pertenceu, inicialmente, ao primeiro momento do simbolismo brasileiro.
b) seu humor, de origem inglesa, é, também, uma expressão de ceticismo e pessimismo.
c) seus primeiros romances foram: Ressurreição e Memorial de Aires.
d) foi, durante seus 50 anos de carreira literária, um crítico ferrenho da tradição clássica.
e) em sua última fase, aderiu aos ideais românticos do século XIX.
Correta: b.
Justificativa: Machado de Assis foi fortemente influenciado pela literatura inglesa, ao contrário de outros escritores brasileiros. Assim, o humor também se relaciona a outras duas características do escritor: o pessimismo e o ceticismo em relação aos valores sociais da época. Sobre as alternativas incorretas: Machado de Assis pertenceu essencialmente ao Realismo (letra a); Memorial de Aires foi seu último romance (letras c); nos primeiros trabalhos de Machado havia diversas características românticas (letra d); em sua segunda e última fase, Machado era um escritor realista e havia se distanciado completamente dos ideais românticos (letra e).
2. [PUC/SP]
Para responder à questão, assinale com V (verdadeiro) ou com F (falso) as afirmativas sobre a obra literária de Machado de Assis.
( ) Episódios de adultério e usurpação são construídos com clareza e objetividade.
( ) A visão de mundo de Machado de Assis constitui-se como uma reação ao determinismo histórico.
( ) O equilíbrio formal do autor rompe com a tradição de lugares-comuns e preciosismos linguísticos.
( ) O humor escrachado evidencia-se, principalmente, em Dom Casmurro.
( ) A quebra da estrutura linear traz a instância do leitor como inovação técnica.
A sequência correta, resultante do preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:
a) V – V – F – F – V
b) V – F – V – F – F
c) V – F – V – V – V
d) F – V – F – V – F
e) F – F – V – F – V
Correta: e.
Justificativa: A primeira é falsa, pois a análise psicológica de Machado de Assis não é objetiva, como exemplo pode-se se citar Dom Casmurro e o mistério em torno da visão de Bentinho sobre Capitu. A segunda é falsa, uma vez que Machado foca na psique das personagens, as quais constroem o mundo a seu redor e não o contrário. A terceira é verdadeira, pois, em sua segunda fase, o escritor fluminense alcança sua maturidade, desvincula-se dos ideais românticos e, apesar de possuir um amplo vocabulário, seu uso linguístico é impecável. A quarta mostra-se equivocada devido ao uso de um humor comedido em suas obras. E a última opção é verdadeira, a quebra da linearidade narrativa é uma das características dos romances machadianos. Logo, a letra correta é a e.
3. [FAAP/SP]
Machado de Assis ficou célebre pelo romance:
a) paisagista.
b) de fuga-evasão.
c) psicológico.
d) histórico.
e) medieval.
Correta: c.
Justificativa: A marca primordial do romance machadiano é a análise psicológica de suas personagens.
4. [UEL/PR]
É correto afirmar sobre Machado de Assis:
I. Foi sobretudo pela imaginação de suas narrativas, mais do que pelo estilo ou senso de realismo, que se notabilizou como nosso maior ficcionista do século XIX.
II. Seus primeiros romances consagraram-no como um grande prosador realista, mas a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas sua obra tomou o rumo inesperado da ficção fantástica.
III. Seus contos, sobretudo a partir de Papéis Avulsos, são obras-primas de análise psicológica, alegorização social e interpretação das fraquezas humanas.
Assinale a alternativa correta.
a) Apenas a afirmação II é verdadeira.
b) Apenas a afirmação III é verdadeira.
c) Apenas as afirmações I e II são verdadeiras.
d) Apenas as afirmações II e III são verdadeiras.
e) As afirmações I, II e III são verdadeiras.
Correta: b.
Justificativa: A I está incorreta, pois a narrativa machadiana, principalmente em sua segunda fase, atenta-se ao real, à crítica dos costumes da classe dominante. Além disso, Machado de Assis não iniciou sua carreira literária como um escritor realista, o que faz a II estar incorreta também. Dessa forma, apenas a III está correta, uma vez que Papéis Avulsos foi a primeira coletânea de contos da segunda fase do escritor fluminense, que marcou seu amadurecimento como autor realista.