A hora da estrela

Escrito por Clarice Lispector, A hora da estrela é um romance brasileiro que conta a história e as desventuras de Macabéa, mulher nordestina retirante, à procura de uma vida melhor no RJ.

A hora da estrela (1977) é dos mais famosos romances brasileiros. Foi escrito por Clarice Lispector, que nasceu na Ucrânia, mas foi naturalizada brasileira. A narrativa apresenta a história de Macabéa, uma mulher nordestina muito simples que busca uma vida melhor no Rio de Janeiro. A história da personagem é contada por Rodrigo S. M.

Publicidade

Resumo da obra

Romance “A Hora da Estrela”, publicado em 1977. Fonte: Wikimedia.

O romance é narrado por Rodrigo S. M., um escritor que quer contar a história de uma mulher chamada Macabéa, ao mesmo tempo em que reflete sobre sua vida. Macabéa, por sua vez, é uma nordestina órfã de 19 anos que foi criada por uma tia que a maltratava. É descrita como feia, virgem, tímida, alienada, tem poucos amigos e se alimenta mal, isso quando come algo. Gosta de cachorro quente e coca-cola. Tem pouquíssimas falas ao longo da narrativa.

Relacionadas

Modernismo no Brasil
O Modernismo brasileiro foi um amplo movimento focado na renovação cultural do Brasil, com ênfase na criação de uma consciência nacional e na quebra de paradigmas artísticos.
Clarice Lispector
Clarice Lispector foi uma das mais importantes escritoras da literatura brasileira do século XX, tendo importante papel para seu desenvolvimento.
Escolas Literárias
Escolas Literárias são formas de dividir a literatura, bem como os autores, em diferentes categorias segundo suas características em comum.

Muda-se para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor conseguindo um emprego de datilógrafa, com o qual não tinha muita familiaridade. Chegou a ser demitida pela falta de prática e nível instrucional precário. No entanto, por compaixão, o patrão permite que ela continue no cargo.

Macabéa não ganha muito em seu emprego e, por isso, mora em um quarto de pensão com outras três moças, as três Marias: Maria da Penha, Maria da Graça e Maria José. Em seu tempo livre, gosta de ouvir o rádio de uma das companheiras da pensão.

A moça nordestina não é descrita pelo narrador como dona de uma aparência interessante. Ainda assim, a protagonista consegue um namorado, Olímpico, nordestino metalúrgico, ambicioso. Contudo, o namoro não dura muito, o homem a troca pela colega de Macabéa Glória, uma mulher descrita como mais bonita e esperta.

Já no final da narrativa, Macabéa vai a uma cartomante chamada Madame Carlota que ludibria a personagem dizendo que terá sorte em sua vida, tanto profissional quanto amorosa, um momento de estrelato. No entanto, um acidente ocorre quando Macabéa sai do local e atravessa a rua.

Publicidade

Nesse momento, temos “a hora da estrela”, todos olham para aquela mulher nordestina no chão. Desse modo, trata-se de um desfecho irônico e composto por uma crítica social.

Personagens

Conheça os principais personagens dessa narrativa de Clarice.

  • Rodrigo S. M.: é o escritor da história, o responsável por nos contar a história de Macabéa.
  • Macabéa: protagonista da história, temos uma retirante nordestina, humilde e de baixa escolaridade que se muda para o Rio de Janeiro em busca de oportunidades. Passa a viver em um pensionato, come muito pouco ou nada e sonha em ser uma estrela e ter um grande amor.
  • Personagem Y: mulher nordestina que migra para o Rio de Janeiro e exerce a profissão de datilógrafa.
  • Olímpico: primeiro namorado de Macabéa, homem ambicioso que a trocou por Glória.
  • Glória: colega de Macabéa que acaba namorando com Olímpico.
  • Madama Carlota: ex-prostituta e cafetina, é a cartomante que tira e lê as cartas para Macabéa no final da narrativa.

Agora que você já conhece os personagens, leia um pouco mais sobre o romance no tópico a seguir.

Publicidade

Clarice Lispector, fotograda por Maureen Bisilliat, em agosto de 1969. Fonte: Wikimedia.

Análise

A narrativa de A Hora da Estrela não é exatamente linear. Há três pólos ou camadas narrativas responsáveis por estruturar a história e que se misturam: I. Rodrigo S. M. contando a história de Macabéa; II. Rodrigo contando sua própria história, principalmente na condição de escritor; III. Rodrigo explica a criação de seu próprio texto (a história de Macabéa). Vale ressaltar, também, uma peculiaridade: na primeira página, o título do livro é seguido de 13 títulos, inclusive um repetido, além da assinatura manuscrita de Clarice.

Conforme mencionado, há um narrador-autor fictício Rodrigo S.M., que muitos críticos dizem ser um alterego de Clarice Lispector. Quando fala de si, seus pensamentos, desejos e decisões a respeito do destino da protagonista, apresenta-se como narrador personagem (em 1ª pessoa), mas passa ao narrador onisciente (3ª pessoa), ciente de todos os aspectos da narrativa, quando fala de Macabéa.

A história se passa por volta dos anos 50, o que explica a paixão de Macabéa por famosas atrizes, como Greta Garbo e Marilyn Monrou. Contudo, deve-se enfatizar que a narrativa está mais situada em um tempo psicológico. Por sua vez, o espaço central é o Rio de Janeiro, embora haja algumas poucas outras marcas, como o pensionato e a rua, de modo a encenar o ambiente urbano.

Essa obra literária, além de manter o fluxo de consciência e o intimismo, típico das obras de Clarice Lispector, aborda questões sociais, pouco apresentadas na obra da autora até então. Conforme atestado pela trama, a trajetória de vida da retirante é difícil, passa por inúmeras tribulações para morar no Rio de Janeiro e praticamente só vive para trabalhar, tem poucas amizades, é uma mulher humilde, sem amizades verdadeiras e amores. Tem sonhos e é esperançosa. Apesar das contrariedades, ao ir até uma cartomante, acredita que tudo vai mudar na sua vida. Contudo, um acontecimento trágico muda o rumo de sua história.

Folha de rosto do livro “A hora da Estrela”.

Contexto histórico

Clarice Lispector está inserida na Geração de 45, também conhecida como Terceira Fase do Modernismo. Nessa geração, a temática social é fortemente marcada, ainda mais que nas anteriores, sobretudo pelo contexto histórico da época.

Há dois grandes eventos históricos que marcaram o ano de 1954 no Brasil. A Segunda Guerra Mundial chegava ao fim após seis anos de conflito. Além disso, ocorreu o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Desse modo, esse ano foi um divisor de águas. Isso foi expresso de várias maneiras na literatura e nas artes de modo geral.

Crítica social

Muitos críticos literários criticaram Clarice Lispector por suas obras muito introspectivas e, portanto, pouco articuladas às questões sociais. Conforme as características modernistas, seria interessante que uma obra literária abordasse a sociedade brasileira e todas as suas mazelas.

Nesse sentido, A hora da estrela nos parece uma resposta a tais críticos, uma vez que a obra, ainda que tenha um pouco das marcas centrais da autora, como a introspecção e a subjetividade. Tem como protagonista uma retirante, muito humilde, que vive no Rio de Janeiro, em um pensionato, come muito pouco ou nada e sonha em ser uma estrela e ter um grande amor.

Agora que você já sabe um pouco mais a respeito de um dos principais romances de Lispector, conheça a adaptação da obra para o cinema.

A hora da estrela: adaptação

Filme “A hora da estrela” (1985), dirigido por Suzana Amaral. Fonte: Wikimedia.

O romance de A hora da estrela foi adaptado para o cinema em 1985. A direção foi de Suzana Amaral, mas a produção do roteiro contou com a própria Clarice Lispector. Dessa forma, permitiu que a narrativa audiovisual fosse bastante fiel à obra literária. Em 2015, o filme entrou para a lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, de acordo com a Associação Brasileira de Cinema.

Trechos da obra

Leia alguns trechos de A hora da estrela e conheça melhor uma das narrativas mais importantes da literatura brasileira.

  • “Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?”.

  • “Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui”.

  • “Quando acordava não sabia mais quem era. Só depois é que pensava com satisfação: sou datilógrafa e virgem, e gosto de coca-cola. Só então vestia-se de si mesma, passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser”.

  • “É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade – provoca aquela saudade desmaiada e lilás, aquele perfume de violeta, as águas geladas da maré mansa em espumas de areia. Eu não quero provocar porque dói”.

Saiba mais sobre Clarice Lispector e sua produção literária nos vídeos a seguir. Aproveite para aprofundar seus conhecimentos!

Vídeos sobre Clarice Lispector: vida e obra

Saiba mais a respeito de Clarice Lispector, bem como sobre sua obra A hora da estrela e características gerais de sua produção literária.

Biografia e características literárias de Clarice Lispector

Aprofunde seus conhecimentos sobre a vida e as características da produção literária da escritora.

Análise de A hora da estrela, de Clarice Lispector

Confira uma análise completa do romance, com foco na linguagem, temáticas abordadas, intertextualidades, planos de narrativa etc.

Clarice Lispector e o efeito de estranhamento

A professora e escritora Noemi Jaffe explica um dos aspectos fundamentais para compreender a obra de Clarice Lispector: o estranhamento.

Para finalizar nossa breve exposição de A hora da estrela, fiquemos com uma das frases do livro: “Porque há direito ao grito. Então, eu grito”. Complemente seus estudos lendo sobre Geração de 45.

Referências

ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura Brasileira: tempos, leitores e leituras. São Paulo: Moderna, 2005.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Estela Santos
Por Estela Santos

Doutoranda em Letras - Estudos Literários (UEM), professora, redatora e mediadora do #LeiaMulheres - Maringá.

Como referenciar este conteúdo

Santos, Estela Pereira dos. A hora da estrela. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/a-hora-da-estrela. Acesso em: 26 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [ Enem ]

“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
[…]
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré- história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. […] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual – há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não início pelo fim que justificaria o começo – como a morte parece dizer sobre a vida – porque preciso registrar os fatos antecedentes”.
LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 (fragmento).

A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector, culminada com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se essa peculiaridade porque o narrador
a) observa os acontecimentos que narra sob uma ótica distante, sendo indiferente aos fatos e às personagens.
b) relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a compõem.
c) revela-se um sujeito que reflete sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso.
d) admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolher as palavras exatas.
e) propõe-se a discutir questões de natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção.

Resposta correta: C.

A particularidade da voz narrativa de Clarice Lispector surge neste fragmento de “A hora da estrela” em um sujeito que, com a visão crítica da linguagem, ao invés de narrar, tece reflexões sobre questões existenciais (como se estivesse em crise), quando diz “Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever” e sobre a própria construção do discurso, como texto, quando diz “como eu irei dizer agora, esta história […]”.

2. [FUVEST]

Identifique a afirmação correta sobre A hora da estrela, de Clarice Lispector:
a) A força da temática social, centrada na miséria brasileira, afasta do livro as preocupações com a linguagem, frequentes em outros escritores da mesma geração.
b) Se o discurso do narrador critica principalmente a própria literatura, as falas de Macabéa exprimem sobretudo as críticas da personagem às injustiças sociais.
c) O narrador retarda bastante o início da narração da história de Macabéa, vinculando esse adiamento a um autoquestionamento radical.
d) Os sofrimentos da migrante nordestina são realçados, no livro, pelo contraste entre suas desventuras na cidade grande e suas lembranças de uma infância pobre, mas vivida no aconchego familiar.
e) O estilo do livro é caracterizado, principalmente, pela oposição de duas variedades linguísticas: linguagem culta, literária, em contraste com um grande número de expressões regionais nordestinas.

Resposta correta: C.

O romance “A hora da estrela” tem início com uma série de autoquestionamentos radicais, tanto de caráter pessoal, quanto metalinguístico, feitos pelo narrador Rodrigo S. M. A história de Macabéa começa a se insinuar paulatinamente, até se tornar dominante na narrativa, que, porém, não abandona aqueles questionamentos críticos.

Compartilhe

TOPO