História do cinema brasileiro

A história do cinema brasileiro passou por ápices, quedas e desenhou suas características por meio da resistência. Suas principais fases influenciam o cinema até os dias de hoje. Confira!

A história do cinema brasileiro é feita de idas e vindas, de ascensões, quedas e da formação de um padrão temático até chegar a uma explosão de pluralidades. Ganhando, assim, a diversidade temática e estilística como principal substantivo do cinema brasileiro contemporâneo. Veja os principais momentos de sua existência até os dias de hoje.

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Chegada do cinema ao Brasil

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Há duas formas para abordar a chegada do cinema ao Brasil: como forma de exibição pública, e como os primeiros registros de imagem feitas no país. A primeira sessão foi organizada pelo belga Henri Paillier, no dia 08 de julho de 1986, em uma sala na Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro, às 14h. A máquina de projeção utilizada foi a Omniographo, com exibição de oito curtas-metragens. A propaganda da exibição enfatizava que as imagens projetadas davam “a magnífica impressão de vida real”.

Já a primeira filmagem só foi acontecer em 1898, quando o italiano Afonso Segreto trouxe o cinematográfico dos Lumiére, comprado na França. Ao chegar à Baía de Guanabara, no dia 19 de junho, em um domingo ensolarado, ele filmou a cidade carioca. Segreto, seu irmão Pascoal e José Roberto Cunha Salles também possuíam o “Salão de novidades Paris”, que era disponibilizado para diversas atividades. Eles fizeram do espaço a primeira sala de cinema do Brasil. As gravações futuras foram apenas registros do cotidiano burguês brasileiro, de modo documental. As ficções surgiriam por volta de 1907, sendo muitas delas perdidas no decorrer dos anos.

Fases do cinema brasileiro

Toda manifestação artística muda sua perspectiva em sintonia com as transformações históricas. Na história do cinema, sempre houve movimentos que se interligavam ou se dissipavam, como as relações entre ocidente e oriente, grandes e pequenas indústrias. No Brasil, o cinema foi dividido em fases por motivos de mercado, mas também por razões de protesto e de força política. A seguir, entenda melhor as principais fases:

Chanchadas

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Chanchadas é um termo advindo do espanhol que designa algo de má qualidade e de caráter vulgar. Com a produtora Atlântida, as chanchadas eram detestadas pelos críticos e por parte da burguesia, que condenavam a imoralidade e a “pobreza” artística dos filmes. Entretanto, a própria produtora mencionada se rendeu às chanchadas, pois elas eram sucesso de público.

As narrativas possuíam tramas simples, bem demarcadas entre o bem e o mal, que sempre perde. Os personagens cômicos davam o tom esperado pelo público e vários artistas foram consagrados, como Dercy Gonçalves, Jô Soares, Chico Anísio, Carlos Manga, Norma Bengel, além da dupla Oscarito e grande Otelo, dois atrapalhados que passavam por situações inusitadas. Números musicais, com cantores famosos e personalidades do rádio, também marcaram a época, especificamentre entre 1930 e 1960. Alguns dos principais filmes são: Carnaval Atlântida (1952), Carnaval do fogo (1949) e Aviso aos navegantes (1950).

Cinema Novo

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Em uma mudança de fase, é comum a posterior possuir características contrárias à antecedente. Este é o caso: enquanto as chanchadas possuíam um caráter mais popular, sem muita apuração da linguagem em sua forma ou sem uma crítica social em seu conteúdo, o cinema novo chega com esses elementos. “O cinema que pretendiam fazer deveria ser “novo” no conteúdo e na forma, pois seus novos temas exigiriam também um novo modo de filmar”, afirma Maria do Socorro Carvalho.

A linguagem apurada diz respeito às possibilidades técnicas da narrativa para atingir o espectador por meio da imagem e do som. Isso não quer dizer que existia a qualidade tecnológica das produções hollywoodianas, referências da época, pelo contrário:

“A baixa qualidade técnica dos filmes, o envolvimento com a problemática da realidade social de um país subdesenvolvido, filmada de um modo subdesenvolvido, e a agressividade, nas imagens e nos temas, usada como estratégia de criação, definiriam os traços do Cinema novo, cujo surgimento está relacionado a um novo modo de viver a vida e o cinema” (CARVALHO, 2008, p. 290).

Esse novo modo de vivência e de experiência com o cinema começou em 1960 e se estendeu por 10 anos. Os principais nomes, considerados fundadores do movimento, foram Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Paulo Saraceni, Leon Hirszman, Carlos Diegues e David Neves. A empolgação desses cineastas era grande e, dentro de seus ideários, estava a conscientização da população brasileira sobre a miséria do país, visando, assim, uma revolução. Um modo de “mudar” a realidade local.

Trazer o passado para refletir o presente e transformar a perspectiva de futuro do país era o que o cinema novo almejava. As temáticas comuns, dentre os filmes da época, eram o período escravagista, a mística religiosa, a violência, o futebol (em menor grau) e a fome (em maior grau), principalmente na região nordeste do país. Em sua maioria, os poderosos eram representados e denunciados. Por exemplo, o vilão, na verdade, é o coronel que manda matar e não exatamente o cangaceiro que executava o tiro.

Com caráter de formação de uma consciência social, a fome é a principal estética do movimento. No entanto, a empolgação dos artistas encontra problemas com a ditadura e com a recepção do público. A burguesia, principal consumidora, rejeitava as mazelas sociais denunciadas nos filmes. Mesmo com o movimento enfraquecido, seus diretores resistiram e continuaram a produzir filmes dentro das características mencionadas.

As principais obras do cinema novo foram: Ganga Zumba, rei de Palmares (1963), Os Herdeiros (1970), O desafio (1965), Deus e o diabo na terra do sol (1964), Terra em transe (1967), O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), Garrincha, alegria do povo (1962), A falecida (1965), Garota de Ipanema (1967), 1968 (1968), Macunaíma (1969), Memória de Helena (1969), dentre outros.

O cinema novo é considerado o momento mais significativo da história do cinema brasileiro. Ele rendeu mais de oitenta premiações internacionais, além de ter provocado o interesse de pesquisadores estrangeiros. Além disso, reformulou o audiovisual de tal forma que se tornou a principal referência histórica do país, no campo da sétima arte. Apesar das mudanças posteriores, há uma base do movimento nos filmes brasileiros atuais mais reconhecidos pela crítica.

A retomada

Com os cortes das verbas voltadas para o audiovisual e a extinção do ministério da cultura, no governo de Fernando Collor, a produção cinematográfica foi praticamente estagnada, caindo de uma média de 50 filmes por ano para apenas 3. Entretanto, com a queda do presidente e com a Lei Rouanet, criada pelo secretário da cultura Sérgio Paulo Rouanet, o audiovisual retoma o fôlego. Assim, a retomada representou um momento de superação da crise no cinema brasileiro. Com os recursos de rateio da Embrafilmes, foram produzidas 56 longas-metragens em 1995, assim, artistas da tv e profissionais do audiovisual migraram para o cinema.

De acordo com Andréa França, o filme “Carlota Joaquina, de Carla Camurati, significou na época a convergência das empresas produtoras com investidores do setor privado, a articulação do mercado financeiro pelos mecanismos de renúncia fiscal”. Essa obra é um pacote completo das características marcantes da retomada.

Com a regularidade das telenovelas e o padrão hollywoodiano influenciando a cultura audiovisual brasileira, era importante trazer os atores das novelas para o cinema, bem como embutir, de alguma forma, algo da língua inglesa nas obras. Por isso, a estética de “novela de época”, mais a comédia sobre figuras históricas da colonização, universalmente conhecidas pelos espectadores, conquistaram o público e lotaram as salas de cinema.

Com temáticas variadas, os principais nomes dessa época são: Carlota Joaquina (1995), Guerra de Canudos (1996), Memórias Póstumas (2001); e os indicados ao Oscar, O Quatrilho (1995), O que é isso companheiro (1998) Central do Brasil (1999) e Cidade de Deus (2002), nas categorias técnicas.

O cinema da retomada foi uma época representada pela reestruturação financeira da sétima arte no país, bem como a proximidade temática do público com os filmes. Todas essas fases colabora, em maior ou menor grau, com o cinema brasileiro de hoje. A seguir, saiba mais.

Cinema brasileiro atualmente

O cinema brasileiro atual é fruto dos movimentos supramencionados. As estratégias de mercado, com grande envolvimento do Estado, também têm influência nos rumos da sétima arte brasileira. Andréa França atesta que “a transição para o governo Lula trouxe consigo uma reavaliação não apenas do papel do Estado no desenvolvimento do setor, mas também do papel de uma política audiovisual para a cultura, a arte e a cidadania.”

Entre as reavaliações que ocorreram, estão as leis de incentivo, como a do audiovisual (8.685/93) e a Lei Rouanet (8.313/91), pelos mecanismos de renúncia fiscal, facilitando a chegada de verbas até as produtoras de filmes, até mesmo, para os filmes independentes.

É importante compreender que os investidores ou patrocinadores têm isenção fiscal integral, além de uma porcentagem de dedução no imposto de renda. Tanto as grandes empresas quanto as produtoras devem preencher requisitos burocráticos para que o apoio aconteça. Com o avanço da tecnologia e a influência das redes sociais, atualmente, também é possível fazer filmes sem depender do governo. O caminho se tornou mais amplo, consequentemente, os filmes brasileiros atuais também são diversos, tanto na forma quanto no conteúdo.

Como já foi falado sobre os filmes do começo dos anos 2000, no tópico sobre a retomada, cabe falar sobre o que veio em seguida, muitas vezes chamada de fase “pós-retomada”. Com o sucesso de Cidade de Deus (2002), a favela se tornou carta na manga para qualquer outra produção audiovisual ter sucesso.

Produções como o documentário Ônibus 174 (2002) e Tropa de Elite (2007) representam o que foi chamado de “favela movies” (além das quatro temporadas de Cidade dos Homens, transmitida pela Globo de 2002 a 2005). Porém, repare, foi dito que o “espaço” periférico é o que seria um contexto para os filmes de sucesso desse momento do cinema brasileiro. Não era exatamente filmes da favela, dirigido ou escrito por quem vive dentro daquele contexto.

A partir de 2008, também com o apoio das leis de incentivo e crescimento do cinema independente, começam a surgir obras feitas por pessoas das próprias comunidades. A narrativa elaborada, sob um olhar burguês e distante da “realidade” das periferias, aos poucos (embora ainda seja muito comum produções desse tipo), começou a ser questionada, e as favelas começaram a contar suas histórias de dentro para fora. Obras como Linha de Passe (2008), 5x favela (2010), Branco sai, preto fica (2014), Baronesa (2017) e Temporada (2018) representam esse olhar.

Entretanto, como Andréa França explica, “surge uma diversidade de propostas temáticas, estéticas e culturais que comprova a amplitude da produção cinematográficas nacional”. Por isso, vale mencionar também os sucessos de O Auto da Compadecida (2000), Lavoura Arcaica (2001), Abril despedaçado (2001), Amarelo Manga (2002) Carandiru (2003), O Cheiro do ralo (2006), Santiago (2007), Estômago (2007), Lixo extraordinário (2010), O lobo atrás da porta (2014), Rodantes (2019), 7 prisioneiros (2021) e Deserto particular (2021).

Alguns diretores e diretoras marcaram e, ainda marcam, o cinema contemporâneo brasileiro. Nomes como o de Eduardo Coutinho com Edifício Master (2002), Jogo de Cena (2007) e Últimas conversas (2015). Kleber Mendonça Filho com O som ao redor (2013), Aquarius (2016) e Bacurau (2020). Anna Muylaert com Que horas ela volta? (2015), Mãe só há uma (2016) e Alvorada (2021). Lais Bodanzky com Bicho de Sete cabeças (2000), As melhores coisas do mundo (2010) e Como nossos pais (2017), e Karim Ainouz com Madame Satã (2002), O céu de Suely (2006) e A vida invisível (2020).

Além dos cineastas citados, muitos outros produziram obras excelentes, porém essas não obtiveram a mesma distribuição. Aliás, até mesmo esses diretores consagrados na atualidade não alcançam o que poderiam alcançar. O maior reconhecimento vem de fora do país, com muitas premiações para o cinema brasileiro.

Filmes do cinema brasileiro

Como visto, há vários longas que exemplificam o percurso histórico do cinema brasileiro. Veja a seguir detalhes sobre alguns nomes importantes:

Deus e o diabo na terra do sol (1964), de Glauber Rocha

O filme representa o cinema novo e a principal estampa do país no exterior, por ter sido indicado ao Palma de Ouro em Cannes, no ano de seu lançamento. Seu enredo inspira-se na violência no campo, envolto aos poderosos das terras e a igreja. Em suma, o filme conta a história do pobre Manoel que mata o coronel e depois vira capanga da igreja, contra os latifundiários.

Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho

Em 1962 um camponês é executado sob ordem de latifundiários. O documentarista resolve, então, fazer um filme investigando o assassinato. Em 1964, com o golpe militar, necessita interromper as gravações. 17 anos depois, Coutinho volta ao local em busca das mesmas pessoas, para dar continuidade ao projeto.

Domésticas (2001), de Nando Olival e Fernando Meirelles

Cinco empregadas domésticas permitem que as famílias que as empregam filmem o cotidiano de seus trabalhos e suas vidas. A câmera as acompanha por onde vão e assim revelam suas angústias e sonhos. O documentário já era um prenuncio das perspectivas mais íntimas que viriam a surgir no cinema pós-retomada.

Linha de Passe (2008), de Daniela Thomas e Walter Salles

A esperança de uma vida melhor, para os irmãos e a mãe, se vê na empreitada de Dario em ser jogador de futebol. Em sua narrativa, o filme levanta as dificuldades e tentações que a periferia dispõe para quem não tem muita alternativa profissional. A obra é um dos exemplares de longas construídos pelos olhos de quem cresceu na favela.

Mãe só há uma (2017), de Anna Muylaert

A questão queer aparece nesse filme de modo muito peculiar e envolto a tensão da criação de Felipe, que descobre não ser filho biológico de sua mãe e depois passa a viver com quem o gerou. Muylaert mais uma vez traz a maternidade como pauta, após o sucesso de “Que horas ela volta?”, filme que também trata das condições de trabalho.

Bacurau (2020), de Kleber Mendonça filho

Kleber Mendonça talvez seja o maior nome do cinema brasileiro fora do país. Seus filmes são sempre um sucesso nos principais festivais mundiais, tendo ganhado o prêmio do júri no festival de Cannes com este filme. Em seu enredo, em um misto de western com ficção científica, mostra a história de um povo de um vilarejo rural sofrendo ataques não identificados.

Para ampliar as percepções da arte, confira também o texto sobre Literatura brasileira e conheça sua perspectiva histórica.

Referências

Cinema e Mercado (2010) – Alessandra Meleiro.

Cinema novo brasileiro – Maria do Socorro Carvalho In: História do Cinema mundial (2008) – Fernando Mascarello (org.)

Cinema de terras e fronteiras – Andréa França In: História do Cinema mundial (2008) – Fernando Mascarello (org.)

Alyson Santos
Por Alyson Santos

Professor, mestre em Letras, especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual e História do Cinema.

Como referenciar este conteúdo

Santos, Alyson. História do cinema brasileiro. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/artes/historia-do-cinema-brasileiro. Acesso em: 28 de March de 2024.

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