Apesar de Machado de Assis ser o grande nome do Realismo brasileiro, Raul Pompéia também é frequentemente lembrado por sua obra O Ateneu, um romance singular e profundamente crítico à sociedade burguesa da época. Neste texto, você conhecerá um pouco mais sobre esse romance, suas características, seu contexto de produção e seu autor.
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Personagens
A narrativa de O Ateneu ocorre basicamente em um internato. Nesse espaço, Sérgio entra em contato com diversas figuras e elas permitem seu desenvolvimento psicológico em um ambiente rígido e com desafios sociais. As principais personagens do romance de Raul Pompéia são:
- Sérgio: narrador-protagonista, consiste em um adolescente tímido e reservado que, ao adentrar no ambiente do internato, rompe com sua infância e encara diversas experiências, sejam elas sexuais, religiosas ou morais.
- Aristarco: é o diretor do colégio. Metódico e rígido com seus alunos, a personagem demonstra ser um educador narcisista, tradicionalista e com diversos traços de autoritarismo. É respeitado pela comunidade que o cerca.
- Dona Ema: é a mulher de Aristarco e a figura feminina mais próxima de Sérgio, o qual desenvolve uma relação afetuosa por ela ao longo do romance. Ora há a afetuosidade maternal, ora um romance de caráter erótico.
- Sanches, Bento Alves, Egbert, Franco, Barreto e Rebelo: principais colegas de Sérgio ao longo do romance. Com personalidades distintas, permitem o desenvolvimento do protagonista, que, ao se aproximar e se afastar deles, passa por um processo de amadurecimento.
- Américo: possível responsável pelo incêndio no internato.
É importante ressaltar que há um caráter autobiográfico no livro de Raul Pompéia. O internato, por exemplo, pode ser a representação do Colégio Abílio, local onde o próprio autor estudou, sendo Aristarco a representação do Barão Abílio Borges, proeminente educador da época.
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Resumo da obra

O livro inicia com Sérgio, protagonista e narrador, entrando no Ateneu, um internato famosíssimo. O diretor, Aristarco Argolo de Ramos, era muito conhecido por ser rigoroso e grande produtor de livros didáticos. No capítulo inicial, há uma alusão à passagem da infância para o processo de amadurecimento que o internato representaria na vida de Sérgio. Em seus primeiros dias na escola, é apresentado aos alunos e conhece Rebelo, que o alertou sobre a vida ali, em como os estudantes podiam ser perversos.
Quando foi para seu primeiro dia no banheiro dos meninos, conheceu Sanches, garoto responsável por averiguar o comportamento dos colegas no colégio. Em determinado momento, o novo amigo tentou um contato mais íntimo com Sérgio, que negou a ideia. Após uma segunda tentativa, afastou-se do veterano e mergulhou nas aulas de astronomia.
Após o desempenho de Sérgio começar a cair, identificou-se com Franco, um aluno considerado rebelde pelos professores. Certa vez, em um dos castigos, o novo companheiro tentou aproximar-se intimamente do protagonista que, com repulsa, cortou relações e decidiu se tornar efetivamente independente no internato. Nesse período, a fase religiosa do protagonista aprofunda-se e conhece Barreto, um jovem que fora transferido de um seminário. Além disso, ao retornar para casa em sua folga quinzenal, a orientação dada pelos responsáveis foi de não comprometer sua personalidade e traçar seu próprio caminho, o que permitiu a Sérgio o início de seu pleno desenvolvimento no colégio.
O tédio, gerado pela monotonia do ambiente escolar, melhorava com as atividades feitas pelos alunos fora da sala de aula. Ao sair para suas férias, Sérgio refletiu sobre como o internato podia privar suas ambições juvenis. Ao retornar ao colégio, conheceu Egbert e começou a nutrir uma paixão por Dona Ema.
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Já no fim da narrativa, Sérgio adoece por contrair sarampo e recebe o tratamento pelas mãos de Dona Ema, pela qual cria fortes laços de intimidade. Um incêndio no Ateneu, entretanto, não permite que esse relacionamento se desenvolva. O narrador, assim, encerra suas memórias afirmando que não sobrara muito do Ateneu e salientando como o tempo é fugaz.
Características
- Narrador: primeira pessoa, protagonista.
- Espaço: o internato Ateneu.
- Tempo: psicológico, pelo caráter memorialista do romance; tempo cronológico, pela possibilidade de verificar que a narrativa se passou ao longo de dois anos no colégio interno.
- Foco narrativo: experiências de Sérgio no internato Ateneu.
- Fatores externos: Realismo-Naturalismo; processo de Proclamação da República; sedimentação do processo de abolição da escravatura.
O fluxo rememoralista de Sérgio permite ao leitor adentrar no processo de amadurecimento do protagonista, suas experiências e sensações. O romance, porém, não se foca apenas nas memórias, uma vez que o autor funde os elementos autobiográficos com a ficção, além de apresentar um tom lírico em sua composição. Dessa forma, Raul Pompéia cria uma das maiores obras do Realismo brasileiro.
Em termos temáticos, O Ateneu disseca as relações do protagonista com seus pares e, como conjunto maior, é um retrato vívido da vida em sociedade. Há casos que transbordam os limites da sexualidade do narrador, além de um retrato da experiência cotidiana com a corrupção, a deslealdade e os demais desafios do ambiente social. Em personagens como Aristarco há a criação de um fiscal moral que sufoca a personagem central, mesmo que esteja inserido em um mundo degradado socialmente.
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Como personagem redonda, Sérgio também é a representação de uma criança passando pelo processo de amadurecimento necessário para se tornar um adolescente e futuro homem. Doloroso, mas também libertador, O Ateneu faz parte do rol de obras realistas que denunciavam as mazelas da sociedade burguesa brasileira do século XIX.
O Ateneu: um romance impressionista?
Considerado por vários críticos literários como o único exemplar de romance impressionista na literatura brasileira, O Ateneu, apesar de enquadrado no Realismo, excede a formulação tradicional dessa escola literária. Raul Pompéia cria uma obra singular e utiliza diversos recursos estéticos para fundir o tom descritivo da realidade, com as amplas sensações no narrador-protagonista. As lembranças sempre se fundem entre o narrador-presente, mais ingênuo, e o narrador-futuro, mais maduro.
Contexto
O Ateneu consiste em uma obra rica em detalhes, principalmente pela sua prosa poética e tom autobiográfico. Para tornar a discussão sobre o livro mais completa, é necessário compreender o que ocorria na época de sua publicação, além dos dados sumários do autor. Esses detalhes não substituem a análise literária em si, mas podem ajudar a enriquecê-la.
Contexto histórico
Em termos mundiais, a segunda fase da Revolução Industrial atingiu mais países, e tecnologias como a eletricidade, o motor a explosão, a locomotiva a vapor e diversos materiais foram desenvolvidos nesse período. No campo das ideias, o positivismo (Auguste Comte), determinismo (Hippolyte Taine), o evolucionismo (Charles Darwin) e o socialismo científico (Karl Marx) foram os principais destaques. Vale frisar que essas teorias influenciaram o Realismo e o Naturalismo.
Já no Brasil, a sociedade caminhava para grandes mudanças sociais e econômicas. A Guerra do Paraguai (1864 – 1870), a abolição da escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889) foram os três acontecimentos que marcaram o período de vida de Raul Pompéia. O Ateneu, por exemplo, foi publicado justamente no mesmo ano que o Brasil aboliu a escravidão.
O autor

Raul Pompéia nasceu na cidade de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, em 1863. Foi filho de Antônio de Ávila Pompéia e de Rosa Teixeira Pompéia. Iniciou seus estudos no Colégio Abílio e se transferiu, posteriormente, para o Colégio Dom Pedro II. Em 1879, publicou seu primeiro livro, Uma tragédia no Amazonas.
Iniciou o curso de Direito em São Paulo e adentrou no ambiente literário da época. Era um engajado abolicionista e republicano. Na capital paulista, publicou Canções sem metro e escreveu para o folhetim da Gazeta de Notícias. Terminou o bacharelado em Recife e retornou ao Rio de Janeiro. Publicou, em 1888, o romance O Ateneu, sua obra mais conhecida.
Além de escritor e jornalista, foi professor de mitologia na Escola de Belas Artes e diretor da Biblioteca Nacional. É patrono da cadeira 33 da Academia Brasileira de Letras. Raul Pompéia, desestabilizado após ser difamado por um artigo de Luis Murat e sem a possibilidade de uma réplica pelo jornal, suicidou-se na noite de Natal de 1895, aos 32 anos.
Trechos de O Ateneu
O Ateneu possui um rebuscamento exemplar na prosa, há um refinamento constante que permite a ambiguidade do autor estar presente em cada página. Nos trechos abaixo, é possível verificar um pouco dos usos linguísticos de Raul Pompéia. Vale lembrar que a obra já se encontra em domínio público. Para lê-la, você pode acessar este link.
‘”Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.’ Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso.”
“Pela noite adentro, comparsas de pesadelo, perseguiram-me as imagens várias do atribulado dia; a pegajosa ternura do Sanches, a cara amarela do Barbalho, a expressão de tortura do Franco, os frades descompostos do roupeiro. Sonhei mesmo em regra.”
“Veio o médico, o mesmo do Franco; não me matou. D. Ema foi para mim o verdadeiro socorro. Sabia tanto zelar, animar, acariciar, que a própria agonia aos cuidados do seu trato fora uma ressurreição.”
O romance O Ateneu é a obra-prima de Raul Pompéia. Sua prosa artística e carregada de memórias, tornou-se um dos maiores exemplares da literatura brasileira. Assim como Machado de Assis, o autor marcou o período do Realismo no Brasil.
Referências
Curso de literatura brasileira – Sergius Gonzaga;
História concisa da literatura brasileira – Alfredo Bosi;
Literatura – Fábio D’Ávila, Danton Pedro dos Santos;
O Ateneu – Raul Pompéia;
Raul Pompéia – Academia Brasileira de Letras.

Por Leonardo Ferrari
Graduado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá. É professor assistente em colégio de ensino médio. Nas horas livres, dedica-se à família, aos amigos, à sétima arte e à leitura.
Ferrari, Leonardo. O Ateneu. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/o-ateneu. Acesso em: 02 de May de 2025.
1. [ITA/SP]
Sobre O Ateneu, de Raul Pompeia, não se pode afirmar que:
a) o colégio Ateneu reflete o modelo educacional da época, bem como os valores da sociedade da época.
b) o romance é narrado em um tom otimista, em terceira pessoa.
c) a narrativa expressa um tom de ironia e ressentimento.
d) as pessoas são descritas, muitas vezes, de forma caricatural.
e) são comuns comparações entre pessoas e animais.
Correta: b.
Justificativa: A letra b é a única incorreta, pois o romance é narrado em primeira pessoa e há um tom crítico na obra, o que não permite otimismo.
2. [FGV/SP]
Raul Pompeia é consagrado na literatura brasileira pela obra O Ateneu, de largo senso psicológico e preciosidade de estilo. A temática da obra, a par do seu valor literário, é um depoimento que ilustra:
a) as discussões e os conflitos entre os escritores do Ateneu Literário do Rio de Janeiro, nos fins do Império.
b) a vida social e os hábitos quotidianos da aristocracia imperial, pouco antes da República.
c) a vida escolar no Império Brasileiro, tendo o sistema de internato como modelo educacional de elite na época.
d) a influência da cultura clássica e dos valores greco-romanos na formação da personalidade dos intelectuais brasileiros da época.
e) os hábitos e o comportamento urbano da classe média em ascensão no Rio de Janeiro, após a Proclamação da República.
Correta: c.
Justificativa: O principal romance de Raul Pompeia se passa em um colégio interno que faz alusão, pela biografia do autor, a um internato no qual estudou. Dessa forma, o narrador-protagonista reflete e relata sobre sua vida escolar.
3. [UMSP]
Assinale a alternativa correta sobre o romance O Ateneu, de Raul Pompeia.
a) O romance se realiza pelo processo memorialista do narrador, permeado por uma profunda visão crítica.
b) Trata-se de uma crônica de saudades, em que o narrador revela, a cada instante, vontade de voltar.
c) O Ateneu representa uma apologia aos colégios internos como forma ideal para a formação do adolescente.
d) Apesar da tentativa de atingir um estilo realista, a obra mantém uma estrutura romântica aos moldes de José de Alencar.
e) Todas as personagens do romance buscam identificar-se.
Correta: a.
Justificativa: A principal característica do romance O Ateneu é justamente narrar as memórias de Sérgio e funcionar como uma crítica aos valores da sociedade burguesa da época.