Narcotráfico

O narcotráfico não é um problema simples na atualidade e a sociologia pode ajudar a entender a questão. Afinal, diversos problemas sociais, como a pobreza, estão envolvidos no tráfico de drogas.

Em toda a história da humanidade, há a presença do consumo de drogas. Na verdade, a noção de “droga” que temos atualmente faz parte de um contexto histórico, cultural e político específico; por exemplo, outras sociedades em outro momento da história podem nem possuir uma palavra que diga respeito à “droga”.

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Nos dias atuais, pelo menos em termos médicos, drogas são qualquer substância que podem causar alterações singulares no organismo e em seu funcionamento. Assim, medicamentos são considerados drogas. No entanto, essas são drogas legalizadas, e há uma variedade de substâncias que, por serem proibidas em lei, geram uma rede ilegal de comercialização, chamada de narcotráfico. Entenda mais sobre essa temática a seguir.

O que é Narcotráfico?

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O narcotráfico é a comercialização ilegal de drogas, podendo também ser chamado simplesmente de tráfico de drogas. Essa se tornou uma questão de preocupação internacional, principalmente no plano econômico. Por exemplo, apenas no Rio de Janeiro, é estimado que o faturamento de maconha, cocaína e crack varia de cerca de 300 até quase 650 milhões de reais.

Além disso, o narcotráfico se insere e também se nutre de problemas sociais, como a violência e a pobreza, colocando pessoas de camadas populares no mercado de drogas. Somando a isso, fortes questões de moralidade envolvem o uso dessas substâncias, fazendo com que o narcotráfico se torne parte de um debate bastante complexo.

Narcotráfico no Brasil

No Brasil, o narcotráfico já é um dos debates públicos mais centrais para problemas de violência, criminalidade e a possibilidade de legalização de algumas drogas, como a maconha. Como o tema é bastante complexo, foram reunidos alguns itens que apresentam dados introdutórios do assunto. Confira abaixo.

  • Na década de 1970, a legislação brasileira para a política de drogas enfocava apenas a repressão e criminalização do consumo das substâncias ilícitas, colocando apenas agentes ligados à saúde, a jurisdição e a política para tratar do caso;
  • A partir de meados da década de 1990, iniciou-se uma maior preocupação com a prevenção e a contenção do tráfico em termos internos. Com o tempo, medidas preventivas e a redução de danos cresceram com o desenvolvimento das pesquisas. No entanto, próximo de 2020, alguns desses avanços têm sido revertidos;
  • O Brasil era considerado um país de trânsito de drogas ilícitas, mas, atualmente, é também um grande consumidor. A nação chega a ficar apenas atrás dos Estados Unidos no consumo de cocaína;
  • A maconha é a droga ilícita mais consumida no Brasil, sendo produzida de diversas fontes – uma delas, no Paraguai;
  • Grupos de traficantes controlam regiões inteiras e, em alguns casos, podem cobrar serviços básicos como água, luz e energia em determinadas comunidades;
  • A proibição das drogas não elimina o tráfico. Entretanto, ela acaba servindo como um “tributo” sem dinheiro para os traficantes, devido às dificuldades e os custos envolvidos para exercer tal atividade;
  • O uso do crack, que é uma droga feita a partir de restos de cocaína, se intensificou entre 1990 e 2000, por ser mais barata e mais rentável;
  • Entre 3 a 5 quilos de cocaína podem custar cerca de 15 mil reais em Curitiba; enquanto isso, 3 mil pedras de crack podem faturar 150 mil reais, já que cada pedra pode custar 15 reais ou menos;
  • Um estudo realizado pelo psiquiatra Félix Kessler demonstrou que 52% dos seus entrevistados que eram usuários do crack estavam também em situação de desemprego;
  • A guerra contra o tráfico com armamentos pesados ocorrem nas regiões que menos possuem serviços públicos de escola e saúde.

Os estudos realizados em diversas áreas do conhecimento têm concluído que, de fato, as drogas não são, em si, geradoras de violência ou até mesmo da dependência. Os problemas sociais e as condições psicológicas são determinantes nesse processo. Nesse sentido, o narcotráfico acaba se apropriando desses cenários para alimentar o seu mercado.

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Narcotráfico pelo Mundo

O narcotráfico é espalhado pelo mundo, não ocorrendo de maneira espalhada. O próprio Brasil, antes de tornar-se um país consumidor de drogas traficadas, era mais conhecido por ser uma rota para o transporte dessas substâncias. Conheça alguns dados sobre o narcotráfico internacional.

  • A Bolívia, a Colômbia e o Peru possuem camponeses que cultivam ilegalmente as drogas como uma de suas únicas fontes de sustento. Entretanto, essa atividade não os retira da pobreza;
  • Como no caso do cultivo de drogas mencionado acima, existe um desequilíbrio entre o dinheiro movimentado na produção e na venda. Nos países consumidores, de maior poder econômico, o preço da droga se multiplica;
  • O plantio de maconha que ocorre na divisa de Paraguai com o Mato Grosso do Sul já conseguiu superar mais de 180 milhões de reais de faturamento;
  • O Paraguai, que é um dos países mais pobres da América do Sul, possui o cultivo de uma maconha que passou por modificações genéticas que permite que seja colhida em menos tempo, aumentando os lucros;
  • Na Colômbia, o narcotráfico forma estruturas internas complexas, organizadas em cartéis. Esse é um dos países mais conhecidos pela produção de drogas ilícitas, que ocorre espalhada por todo o país;
  • A Colômbia possui pouca taxa de consumo da folha de coca por populações tradicionais. A produção da cocaína, portanto, tem como fim a exportação para os Estados Unidos e a Europa.
  • O México é conhecido por batalhas sangrentas entre o governo e traficantes. Um dos grandes destinos das drogas também é o Estados Unidos;
  • Um fator que aumentou o narcotráfico no México foi uma política repressiva adotada na Florida, nos Estados Unidos, que fez com que traficantes fugissem para o país;
  • Os Estados Unidos estão no topo do consumo de drogas ilícitas no mundo, sendo também o país conhecido por políticas repressivas em relação ao narcotráfico;
  • Diversos produtos necessários para a produção de drogas ilícitas, como a cocaína, provém, por sua vez, dos Estados Unidos.
  • Assim, as redes de narcotráfico que se formam são extensas. Torna-se difícil, consequentemente, saber exatamente como funciona o narcotráfico em toda a parte. As pesquisas em ciências sociais sobre a temática têm aumentado nos últimos anos e aprofundado o conhecimento no assunto.

    Medidas que podem combater o narcotráfico

    Por mais que a ideia de combate sugira medidas repressivas – ou seja, aumentar o armamento e a força policial para atacar traficantes –, elas não têm se mostrado eficazes. Para pensar a questão do narcotráfico, é necessário avaliar suas diferentes facetas. Veja algumas a abaixo.

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    • Descriminalização de drogas: retirar o comércio de uma droga da ilegalidade e regulamentá-la é, naturalmente, uma medida que acaba com o narcotráfico específico dessa substância. A maconha é uma droga em que esse debate está bastante avançado e diversas instâncias da sociedade estão engajadas para sua descriminalização.
    • Legalização de drogas: a legalização é diferente da descriminalização, porque ela significa que a comercialização da droga não deixará apenas de ser ilegal, mas que passará a ser regulamentada pelo Estado.
    • Atenção aos problemas sociais: as políticas de drogas geralmente enfocam o combate no sentido bélico, ou seja, em um conflito armado entre o Estado e traficantes. Nesse contexto, esquece-se dos problemas estruturais da sociedade que alimentam o narcotráfico.
    • Reparação do racismo institucional: grande parte das pessoas presas atualmente são jovens negros que são pegos com poucas quantidades de drogas. Enquanto isso, as grandes redes de tráfico continuam se mantendo. O grande número da população negra encarcerada tem raiz no racismo estrutural da história brasileira, que a coloca nas condições mais vulneráveis socialmente.
    • Redução do encarceramento em massa: esse encarceramento em massa acaba causando um outro problema, já que redes de inserção no tráfico se formaram dentro das cadeias, além das condições precárias delas. Reduzir o número de pessoas nas prisões pode ser uma medida para impedir essa formação.
    • Medidas socioeducativas no sistema prisional: a inserção de jovens na rede do narcotráfico dentro das prisões ocorre também pela vulnerabilidade social em que eles estão no mundo fora da cadeia. Concentrar medidas socioeducativas que deem perspectivas além do tráfico para sobreviver podem ser alternativas que reduzem esse fenômeno.
    • Distribuição de renda tanto no contexto brasileiro de comercialização ilegal de drogas como nos casos em que camponeses cultivam essas substâncias, tratam-se de pessoas em condição de pobreza. O Brasil é um dos países com maior concentração de renda na mão de poucos, o que torna esse um problema também relacionado ao narcotráfico.
    • Fiscalização de policiais: muitas rotas do narcotráfico não funcionariam se não ocorresse o suborno de agentes do Estado, incluindo policiais. Pesquisas e registros já identificaram esses fenômenos, o que torna necessário identificar as pessoas que o fazem.
    • Debates públicos: mais informações sobre o que alimenta o narcotráfico e um debate entre toda a população sobre o assunto podem ser bastante benéficos. Uma discussão responsável da temática pode ajudar também as pessoas a cobrarem melhores políticas públicas e também não votarem em políticos com ideias inadequadas sobre o narcotráfico.
    • Fomento às pesquisas científicas: por fim, incentivar mais pesquisas científicas sobre o narcotráfico em suas variadas dimensões é uma medida positiva, já que se acumula mais conhecimento sobre o fenômeno. Ter uma maior clareza sobre como funciona o tráfico de drogas ajuda a criar medidas mais eficazes, responsáveis e éticas.

    Por fim, é importante notar que não existem medidas milagrosas, heroicas ou definitivas em relação ao narcotráfico. Por ser um fenômeno complexo, qualquer promessa de soluções fáceis é provavelmente enganosa. É importante ter no horizonte que essa é uma discussão extensa e precisa ser feita com responsabilidade.

    Nesse sentido, a sociologia pode oferecer análises importantes para medidas e políticas públicas em relação ao narcotráfico. Entender as redes de tráfico, as políticas internas, as suas relações com o Estado e quais os diversos nichos de consumidores são apenas alguns desses aspectos da pesquisa sociológica.

    Referências

    Comportamentos aditivos: conceito de droga, classificações de drogas e tipos de consumo – Carla Fonte;

    Narcotráfico e repressão estatal no Brasil – Thiago M. S. Rodrigues;

    A globalização do narcotráfico – Adalberto Santana;

    O Brasil no contexto do narcotráfico internacional – Argemiro Procópio Filho; Alcides Costa Vaz;

    Estado, narcotráfico e sistema financeiro: algumas aproximações – Ney Janson Ferreira Neto.

    Mateus Oka
    Por Mateus Oka

    Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.

    Como referenciar este conteúdo

    Oka, Mateus. Narcotráfico. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/narcotrafico. Acesso em: 27 de April de 2024.

    Exercícios resolvidos

    1. [ENEM]

    A carreira do crime

    Estudo feito por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz sobre adolescentes recrutados pelo tráfico de drogas nas favelas cariocas expõe as bases sociais dessas quadrilhas, contribuindo para explicar as dificuldades que o Estado enfrenta no combate ao crime organizado.
    O tráfico oferece ao jovem de escolaridade precária (nenhum dos entrevistados havia completado o ensino fundamental) um plano de carreira bem estruturado, com salários que variam de R$ 400,00 a R$ 12.000 mensais. Para uma base de comparação, convém notar que, segundo dados do IBGE de 2001, 59% da população brasileira com mais de dez anos que declara ter uma atividade remunerada ganha no máximo o ‘piso salarial’ oferecido pelo crime. Dos traficantes ouvidos pela pesquisa, 25% recebiam mais de R$ 2.000 mensais; já na população brasileira essa taxa não ultrapassa 6%.
    Tais rendimentos mostram que as políticas sociais compensatórias, como o Bolsa-Escola (que paga R$ 15 mensais por aluno matriculado), são por si só incapazes de impedir que o narcotráfico continue aliciando crianças provenientes de estratos de baixa renda: tais políticas aliviam um pouco o orçamento familiar e incentivam os pais a manterem os filhos estudando, o que de modo algum impossibilita a opção pela deliquência. No mesmo sentido, os programas voltados aos jovens vulneráveis ao crime organizado (circo-escola, oficinas de cultura, escolinhas de futebol) são importantes, mas não resolvem o problema.
    A única maneira de reduzir a atração exercida pelo tráfico é a repressão, que aumenta os riscos para os que escolhem esse caminho. Os rendimentos pagos aos adolescentes provam isso: eles são elevados precisamente porque a possibilidade de ser preso não é desprezível. É preciso que o Executivo federal e os estaduais desmontem as organizações paralelas erguidas pelas quadrilhas, para que a certeza de punição elimine o fascínio dos salários do crime.
    Editorial. Folha de São Paulo. 15 jan. 2003.
    No Editorial, o autor defende a tese de que “as políticas sociais que procuram evitar a entrada dos jovens compensatória que aquela oferecida pelos programas do governo”. Para comprovar sua tese, o autor apresenta
    a) instituições que divulgam o crescimento de jovens no crime organizado
    b) sugestões que ajudam a reduzir a atração exercida pelo crime organizado
    c) políticas sociais que impedem o aliciamento de crianças no crime organizado
    d) pesquisadores que se preocupam com os jovens envolvidos no crime organizado
    e) números que comparam os valores pagos entre os programas de governo e o crime organizado

    Resposta: e

    Justificativa: par ao autor do texto, as políticas sociais não dão conta do número absolutamente maior que é oferecido pelo tráfico de drogas aos jovens em situação de pobreza. Nessas condições, ele defende que o que resta é, por fim, o uso de aparatos repressivos do Estado. O autor não considera, entretanto, se essas medidas repressivas são eficazes e de outras alternativas além dessas políticas sociais.

    2. [DPU]

    O tráfico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro é apontado como exemplo da ausência do Estado, que, ao negligenciar a garantia dos direitos sociais, abandona parcelas da população à violência e ao embate entre traficantes e policiais. Os traficantes resolvem conflitos entre moradores e assistem famílias desamparadas pelo Estado, desenvolvendo fortes laços de solidariedade com os moradores. Nesse contexto, a situação é sociologicamente definida como
    a) fenômeno psicossocial em que o aspecto emocional prevalece sobre o jurídico
    b) fenômeno normal, devido à particularidade de cada pessoa e de cada grupo social
    c) fenômeno patológico, porque representa desvio da função do Estado
    d) conflito entre a autonomia dos grupos sociais e a heteronomia que caracteriza o direito estatal
    e) conflito entre a justiça dos traficantes e a representação social de justiça dos moradores

    Resposta: c

    Justificativa: conforme o texto, o narcotráfico não é visto como um fenômeno psicológico ou emocional, ou seja, individual; por isso, não é também “normal”. Ele também demonstra como alguns grupos sociais não possuem autonomia, e nem é resultante de um conflito da ordem da justiça dos traficantes com a dos moradores. O texto deixa evidente, ao contrário, na função do Estado de amparar algumas populações que tem sido neglicenciada. Portanto, esse seria um fenômeno patológico, desviante.

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