Movimento negro

O movimento negro é um dos movimentos sociais mais importantes na atualidade, tendo uma longa história no Brasil e em outros países contra a desigualdade racial.

O movimento negro é um termo bastante abrangente. No sentido histórico, mais específico, trata de organizações promovidas por pessoas negras para combater o preconceito racial. Em um sentido mais social, abarca as culturas, as relações sociais, as resistências, as artes, as instituições e os entretenimentos criados pela população negra.

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Assim, é importante notar que o termo “negro” engloba os “pretos” e “pardos” da classificação étnico-racial do IBGE. Atualmente, mais de 50% da população brasileira é negra. Apesar desse grande número, essa também é a classe social com menos renda e que sofre mais violências no país – e são nessas questões que o movimento negro possui uma de suas razões de existência. Saiba mais a seguir.

O que é movimento negro

O movimento negro é qualquer entidade ou ação criada e engajada por pessoas negras, organizadas em torno de sua identidade racial. Dessa forma, o termo pode abarcar os primeiros esforços de resistência contra a escravidão criadas pela população negra.

Após a Abolição, o movimento se tornou mais organizado e, atualmente, há uma diversidade de grupos, vertentes e reivindicações. Um exemplo de pauta contemporânea do movimento negro é a demanda por políticas afirmativas para pessoas negras no país.

História do movimento negro no Brasil

Manifestação do movimento negro em 1978
Ato reorganiza o movimento negro (1978) / Memorial da Democracia.

Falar sobre a história de todo o movimento negro brasileiro é um assunto extenso, e é objeto de estudo de diversas pesquisas desde a História até a Sociologia. Para resumir o assunto, veja abaixo alguns pontos importantes do movimento desde o período colonial:

Período Colonial

Desde os primeiros momentos de escravidão, pessoas negras trazidas ao Brasil tentaram sobreviver às violências sofridas de diversas maneiras. Por exemplo, suas religiões e práticas culturais se misturavam como puderam com aquelas impostas pelos portugueses.

Um dos símbolos mais marcantes de resistência talvez sejam os quilombos. Quando escravos conseguiam fugir dos senhores brancos sem serem capturados, podiam encontrar ou formar um quilombo: um esconderijo e uma defesa para fugitivos. Lá, as pessoas viviam do cultivo, da caça e da pesca, além de formar um exército para se protegerem de ataques.

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Um dos quilombos mais famosos é o dos Palmares, criado a partir de 1604. Essa comunidade chegou a alcançar mais de 20 mil habitantes, realizando também atividades de resgate de escravos. A destruição do quilombo ocorreu em 1695 também com a morte do seu líder, Zumbi dos Palmares.

Após a abolição da escravatura

Diversas leis foram promulgadas até ocorrer a abolição da escravatura em 1888 com a Lei Áurea, e no ano seguinte houve a proclamação da República. Assim, o abolicionismo atendia a interesses de tornar o Brasil uma nação moderna e capitalista como as europeias. Em suma, a escravidão não fazia parte do sistema econômico desejado.

Portanto, após a abolição não foi dada nenhuma política de auxílio às pessoas antes escravizadas, e a sociedade continuou com uma mentalidade e uma cultura escravista. Diante do preconceito racial, era difícil conseguir empregos formais e competir de igual para igual com pessoas brancas. Nesse cenário, pessoas negras começaram a se organizar em clubes e associações.

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Em São Paulo, a organização mais antiga foi o Clube 28 de Setembro, formado em 1897. Além disso, surgiu também a imprensa negra, na forma de jornais – por exemplo, A Pátria, lançada em 1899. Na década de 1930 foi instituída a Frente Negra Brasileira, uma das maiores fundações negras no Brasil.

Movimento negro a partir dos anos 50

Nos anos mais recentes, o movimento negro se inspirou em lideranças estadunidenses como Martin Luther King, Malcolm X ou mesmo os Panteras Negras. Além disso, movimentos de liberação na Guiné Bissau, Moçambique e Angola influenciaram uma organização que estava emergente no Brasil.

Assim, em 1978 surgiu o Movimento Negro Unificado (MNU). Ele passou a adotar um discurso mais radical contra o racismo e adotou explicitamente o termo “negro” como identidade. Essa organização também se posicionou contra o capitalismo, na intenção de dar atenção às desigualdades raciais e de classe.

Ainda, nos últimos anos, o movimento negro e outras reivindicações passaram a compor as grandes questões dos direitos humanos. Afinal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançada em 1948, afirma que todos os indivíduos devem ser considerados iguais, e políticas públicas são lançadas a partir disso.

Atualmente, há uma diversidade de linhas e vertentes possíveis na militância do movimento negro. Então, existe também uma relação maior ou menor dessas vertentes com outros movimentos, como o LGBT+ e o feminista. Consequentemente, essas lutas se tornam mais complexas.

História do movimento negro nos EUA

Pintura de George Pemba sobre Rosa Parks
The Activist (1991), de George Pemba.

As décadas de 1950 e 1960 são consideradas a primeira fase de mudanças significativas nas relações raciais nos Estados Unidos. Na época, o Estado impunha políticas de segregação racial. O caso emblemático é o da Rosa Parks, uma mulher negra que, em 1955, se negou a dar o lugar para uma mulher branca no ônibus e foi expulsa.

Esse episódio levou a um boicote de 381 dias do transporte público da cidade de Montgomery. O movimento foi liderado por Martin Luther King Jr., que continuou aquecendo a luta negra no país na década de 1960. Na mesma época, Malcolm X e os Panteras Negras tinham um discurso mais radical de combate à discriminação racial.

Essa série de lutas levou à Lei dos Direitos Civis em 1964 e a Lei dos Direitos de Voto em 1965. Consequentemente, formou-se um Estado mais ativo no combate à segregação racial e ao impedimento do voto da população negra. Essas leis se tornaram um modelo de ações afirmativas mundialmente.

Depois dessas conquistas, o movimento negro sofreu dificuldades na década de 1970 para continuar “aquecido”. Isso porque a segregação racial era o modo de preconceito mais explícito, mas as violências mais sutis permaneceram. Assim, o movimento negro norte-americano continua levantando diferentes pautas atualmente, como por exemplo o movimento Black Lives Matter, contra a execução de negros pela polícia.

O que busca o movimento negro do século XXI?

Fotografia dos movimentos sobre a morte de Marielle Franco
Daniela Moura / Mídia Ninja

Uma das grandes reivindicações do movimento negro no século XXI é a introdução de discussões sobre racismo nas escolas. Somando a isso, o incentivo às pesquisas científicas sobre o assunto é primordial. Portanto, uma educação para uma mudança nas relações raciais visa transformar a sociedade e reduzir as violências enfrentadas pela população negra.

Além disso, muitas vertentes do movimento negro têm levantado as raízes africanas como um símbolo de identidade, de orgulho cultural e de autoestima. Esse aspecto atravessa desde características físicas – como o cabelo ou a cor da pele – até músicas, a linguagem e a religião. Essas pautas visam ressignificar a conotação negativa que o racismo dá aos símbolos negros.

Ainda, existe uma grande variedade de políticas afirmativas. Há, por exemplo, aquelas que visam incentivar a entrada de negros em áreas com pouca representatividade – o jornalismo, a medicina. Somando a isso, há o que é conhecido hoje como empreendedorismo negro. Desse modo, diversas vertentes também estão ligadas aos direitos humanos, reivindicando também cotas raciais em concursos.

Em um país de passado escravista e com as desigualdades raciais persistentes como o Brasil, esses engajamentos são cada vez mais necessários. É importante ainda frisar que a força política maior do movimento negro contribui para a democracia, a diversidade de opiniões e a possibilidade de reduzir a desigualdade social no Brasil.

Conquistas do movimento negro no Brasil e no mundo

Os avanços dos movimentos sociais são muitas vezes lentos, e não ocorrem de modo linear. Em outras palavras, sempre há avanços e retrocessos na direção de uma redução da desigualdade social. No entanto, quanto ao movimento negro, é possível elencar algumas conquistas institucionais importantes:

  • Criminalização do racismo na Constituição de 1988;
  • As leis 10.639/03 e 11.645/08 no Brasil tornaram obrigatória a inclusão, nas escolas, os debates sobre racismo e a história da África, dos negros e povos indígenas;
  • O Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 2010;
  • Criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)
  • O Plano de ação de ONU (2001) para combater as discriminações, violências e intolerâncias advindas do racismo;

Apesar de estas serem conquistas que ocorreram em relação a instituições e leis, há muito esforço sendo feito nas relações sociais cotidianas e na sociedade em geral. Desse modo, promover relações mais éticas e igualitárias é responsabilidade de toda a população brasileira.

Referências

Petrônio Domingues, Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos;

Flavia Rios, O protesto negro no Brasil contemporâneo (1978-2010);

Kabengele Munanga, Por que ensinar a história da África e do negro no Brasil de hoje?;

Shirlena Campos de Souza Amaral, Leandro Garcia Pinho e Giovane do Nascimento, Os anos 60 e o movimento negro norte-americano: uma década de elevação de consciência, eclosão de sentimentos e mobilização social;

George Reid Andrews, O negro no Brasil e nos Estados Unidos;

Joana Célia dos Passos e João Carlos Nogueira, Movimento negro, ação política e as transformações sociais no Brasil contemporâneo.

Mateus Oka
Por Mateus Oka

Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.

Como referenciar este conteúdo

Oka, Mateus. Movimento negro. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/movimento-negro. Acesso em: 23 de April de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UNICENTRO]

“Quando se menciona o trabalho escravo no Brasil, a primeira lembrança é a da escravidão negra. Realmente, foi ela a mais marcante, a mais longa e terrível; mas o trabalho escravo se inicia no Brasil com a escravidão indígena” (Tomazi, Nelson Dácio (coordenador). Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 2000, p.62). Considerando a realidade estabelecida pela implantação do trabalho escravo dos negros africanos trazidos ao Brasil, assinale a alternativa incorreta.
a) As condições de vida dos escravos africanos eram terríveis, razão pela qual a média de vida útil deles não ultrapassava os quinze anos.
b) Os negros africanos reagiram à escravidão das mais diversas formas: através das fugas, dos quilombos, da luta armada, da preservação dos cultos religiosos, da dança, da música.
c) O negro é parte integrante da história brasileira, apesar dos muitos preconceitos que ainda persistem contra eles.
d) O Brasil figura entre os primeiros países latino-americanos a declarar por meio de muitas leis, até a promulgação da Lei Áurea, a libertação de seus escravos.
e) O fim do tráfico de escravos, no Brasil, ocorreu em meados do século XIX, quando começaram algumas experiências com a mão de obra assalariada de estrangeiros.

Resposta: d

Justificativa: até a Lei Áurea que oficialmente acabou com o sistema escravista no Brasil, diversas leis foram promulgadas gradativamente. Entretanto, isso não significa que uma cultura escravista e racista não tenha permanecido na sociedade. Além disso, o Brasil foi o último país da América Latina a abolir a escravidão.

2. [PUC-PR]

Leia o texto a seguir:
“Cem anos atrás um grande americano, em cuja sombra simbólica nos encontramos hoje, assinou a proclamação da emancipação [dos escravos]. (…)
Mas, cem anos mais tarde, o negro ainda não está livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro ainda é duramente tolhida pelas algemas da segregação e pelos grilhões da discriminação. Cem anos mais tarde, o negro habita uma ilha solitária de pobreza, em meio ao vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro continua a mofar nos cantos da sociedade americana, como exilado em sua própria terra. Então viemos aqui hoje para dramatizar uma situação hedionda. (…) Mas há algo que preciso dizer a meu povo posicionado no morno liminar que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso lugar de direito, não devemos ser culpados de atos errados. Não tentemos saciar nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio.
Temos de conduzir nossa luta para sempre no alto plano da dignidade e da disciplina. Não devemos deixar nosso protesto criativo degenerar em violência física. Precisamos nos erguer sempre e mais uma vez à altura majestosa de combater a força física com a força da alma.”
Trechos do discurso de Martin Luther King, em 28 de agosto de 1963.

Interprete o texto acima e observe as seguintes afirmações sobre o movimento negro nos EUA, na segunda metade do século XX:

I. Martin Luther King foi um importante líder do movimento negro nos EUA no período após a Segunda Guerra Mundial. O seu discurso está inserido no contexto da luta pelos direitos civis dos negros nesse país, no qual questiona as leis segregacionistas que delimitavam, por exemplo, lugares separados para brancos e para negros em locais públicos.

II. No seu discurso, Martin Luther King faz referência à propaganda capitalista própria do período da Guerra Fria segundo a qual os EUA eram um país onde os cidadãos desfrutavam do sonho americano de bonança financeira, o que não correspondia com a realidade vivida pela comunidade negra.

III. Martin Luther King foi um importante representante do movimento negro nos EUA, conhecido como “Panteras Negras”, que pregava o enfrentamento violento e radical dos negros frente aos brancos, para a conquista dos direitos civis pelos primeiros, que carregavam a triste herança da escravidão.

Estão CORRETAS as afirmações:

a) I e II apenas.
b) I e III apenas.
c) I, II e III.
d) I apenas.
e) II e III apenas

Resposta: a

Justificativa: Martin Luther King foi um importante ativista do movimento negro norte-americano, mas não foi filiado aos Panteras Negras.

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