O Quinze

A história trata da seca que ocorreu no Ceará, em 1915, representando a segunda fase do modernismo brasileiro.

O Quinze é uma obra da escritora Rachel de Queiroz, publicada em 1930, quando a autora tinha apenas 20 anos de idade. A história é inspirada em um momento triste e real que ocorreu no Brasil: uma seca terrível que se alastrou no Ceará em 1915. A autora é cearense e era ainda criança quando esse episódio aconteceu.

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É ainda reconhecido como um fator relevante que a autora é nordestina e também uma mulher, contrariando alguns padrões do mercado literário. Assim, O Quinze é considerado um clássico brasileiro, sendo parte importante da história da nossa literatura.

Personagens

  • Chico Bento: é um vaqueiro que, por conta da seca, precisa abandonar a cidade com sua família e vai em direção à Fortaleza. Nesse caminho, feito a pé, enfrenta também uma série de dificuldades.
  • Vicente: é filho de um proprietário rural. Diante da seca, tem como desafio tentar manter a fazenda e seus bens.
  • Conceição: é uma professora progressista e com uma cultura urbana. Se apaixona por Vicente, com quem mantém uma relação conflituosa.
  • Dona Inácia: é a avó de Conceição e é com esta senhora que o romance inicia, rezando a São José pedindo que chovesse.

Resumo da obra

A história começa com Dona Inácia rezando, na esperança de que viesse a chuva. Portanto, o enredo já começa com a seca alastrada no Ceará. Conceição, sua neta, estava ao seu lado passando suas férias na fazenda da família. Ali também trabalha Vicente, primo de Conceição e com quem ela mantém um flerte constante. Com a seca, ambas se mudam para Fortaleza, mas Vicente permanece trabalhando na fazenda.

Assim, o livro conta com dois eixos principais de narrativa: um, o de Conceição e Vicente, e outro, do Chico Bento. No segundo caso, Chico Bento, que é vaqueiro, perde o seu trabalho devido à seca e sua família decide se mudar também para Fortaleza. Entretanto, sem dinheiro e perdendo a ida de trem, acabam tendo que realizar o trajeto a pé.

Nesse caminho árduo, Chico Bento, sua esposa e seus cinco filhos passam uma fome constante. Algumas vezes, quando encontram pessoas com muita fome, acabam dividindo sua comida como um gesto de dignidade. Em outros momentos, acabam sendo mais egoístas. No entanto, o filho menor do personagem acaba falecendo e o primogênito se perdendo no meio da noite.

No outro lado da história, Vicente e Conceição, que se encontram raras vezes, constroem conflitos que dificultam o relacionamento dos dois. Vicente, que tem valores mais conservadores ou mesmo machistas, acaba não se dando bem com Conceição, que é progressista e valoriza a liberdade.

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Desfecho

Na procura pelo filho, Chico Bento acaba encontrando um delegado que é compadre da família e os ajuda a irem para Fortaleza. Ao chegarem lá, entretanto, são levados ao campo de concentração. As pessoas pobres e indesejadas pelo governo eram colocadas neste lugar para não entrarem na cidade de Fortaleza propriamente dita.

Conceição conhece a situação desses campos de concentração e começa a trabalhar como voluntária para ajudar quem estivesse lá em busca de condições melhores. Assim, ela acaba encontrando a família de Chico Bento e ajuda-os a se mudarem para São Paulo, ao invés de permanecerem lá. Além disso, ela adota um dos filhos dele para cuidar.

O amor de Vicente e Conceição acaba ruindo: ela fica sabendo que Vicente está tendo um caso com outra moça. Apesar de sua avó justificar que isso é coisa de homem e que é normal, ela se desilude dessa relação e vive a sua vida cuidando do filho de Chico Bento.

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No fim, a seca acaba e começa a chover. Dona Inácia retorna à fazenda, mas Conceição permanece na cidade.

Análise da obra e contexto histórico

  • Narrador: terceira pessoa;
  • Espaço: Nordeste brasileiro;
  • Tempo: 1915;
  • Foco narrativo: Conceição, Vicente e Chico Bento;
  • Fatores externos: a seca que se alastrou no Ceará.

O Quinze foi publicado em 1930, um ano após a crise de 29 e também é posterior ao fim da Primeira Guerra Mundial. No Brasil, havia uma polarização bastante forte entre ideologias, fazendo com que artistas da época sentissem a necessidade de um engajamento político. Assim nasceram os modernistas da segunda fase, que explicitavam uma crítica social.

Rachel de Queiroz é uma das precursoras dessa tendência modernista, preocupada com uma linguagem simples, clara e objetiva. Por meio dessa estética, sem escrever de modo rebuscado, ela demonstrava a dramática realidade que foi a seca de 1915, que durou quatro anos.

Mário de Andrade, um dos representantes do modernismo, elogiou O Quinze justamente por tirar o leitor do seu lugar de conforto. Consequentemente, a narrativa leva a uma crítica social em vários assuntos, desde a polarização de valores até a diferença da realidade entre ricos e pobres.

Portanto, com um enredo simples, a autora conseguiu captar com sensibilidade o que ocorria com as pessoas de diferentes camadas sociais no cenário da seca. A diferença de tratamento dado a cada grupo também é evidente na obra, principalmente no ponto dos campos de concentração.

Sob o discurso de uma vida melhor, os campos de concentração serviam apenas para reunir pessoas pobres em um só lugar e impedir que elas entrassem na cidade. Lá, morriam diariamente um grande número de indivíduos em condições precárias. Essa é, portanto, uma parte triste da história brasileira que é pouco conhecida.

Resenhas: entenda mais sobre a obra

Selecionamos alguns materiais audiovisuais sobre O Quinze que podem te ajudar a aprofundar o seu estudo. Além disso, é interessante ouvir e ver pessoas relatando a história para entender como essa obra pode afetá-las diferentemente, sendo mais emocionante para alguns.

O Quinze como uma triste história

Nesse vídeo, é feito um resumo bastante eficiente da história narrada na obra de Rachel de Queiroz. A youtuber faz um retrato atento às partes chocantes e tristes da história, o que permite entender melhor o clima da narrativa.

A importância e o reconhecimento da obra

O Quinze foi um livro importante para o movimento modernista brasileiro em sua segunda fase. Além de seu regionalismo, a obra teve um destaque porque não romantizou a seca e sensibilizou o público leitor. Confira essa interpretação da história neste vídeo.

Conflitos de valores em O Quinze

Uma das temáticas abordadas no livro é o conflito de valores. Se o conservadorismo de Vicente era agressivo e desigual para Conceição, ela soava esnobe e ligada demais à cidade para o fazendeiro. Assim, esse choque entre alguns modos de vida, que ocorre com bastante frequência atualmente, pode ser abordado a partir desse livro – sem esquecer das relações de poder envolvidas.

A capacidade e a sensibilidade da autora de retratar a seca é bastante notória. Essas habilidades de Rachel de Queiroz fizeram com que esse livro fosse um marco da literatura nacional.

Filme e outras adaptações

A obra clássica, O Quinze, já foi adaptada para o cinema – com a autorização da própria autora. Além disso, outras adaptações desse romance foram realizadas ou estão em produção, podendo ser bastante interessante conferir essas outras obras:

O Quinze (2004)

Dirigido por Jurandir Oliveira, o filme é uma adaptação do romance de Rachel de Queiroz. Ele foi lançado no cinema oficialmente em 2007, mas já tinha sido exibido em um festival anterior em 2004. O roteiro do filme chegou a passar pela própria autora da obra original, que sugeriu modificações.

O Quinze em quadrinhos

Capa da história em quadrinhos O Quinze
Capa da história em quadrinhos O Quinze

O quadrinista Shiko, responsável pelo roteiro e a arte da obra, adaptou o romance de Rachel de Queiroz para a história em quadrinhos. Essa adaptação foi publicada em 2012.

O Quinze: jogo digital

Já pensou ter um livro adaptado para um jogo de smartphone? Essa é a proposta do grupo de Danilo Almeida Felipe, da Universidade Federal do Ceará, para um jogo que ainda está sendo desenvolvido. A ideia é estimular as pessoas a se interessarem também pela leitura.

As adaptações, assim, acabam se tornando uma obra própria a ser aproveitada. Ter o contato com a leitura do romance original é importante, mas a experiência de aproveitar outras artes também é muito relevante.

Sobre a autora

Fotografia de Rachel de Queiroz
Fotografia de Rachel de Queiroz

Inclusive, foi com a seca de 1915 que ela e sua família se mudaram para o Rio de Janeiro. Portanto, a experiência acabou fornecendo o material para uma obra que lhe traria bastante reconhecimento. Publicou ainda vários romances, como As três Marias e João Miguel.

Ela recebeu diversos prêmios ao longo de sua carreira, como o Prêmio Nacional de Literatura de Brasília, e representou o Brasil em uma assembleia da ONU em 1966. No ano 2000, foi eleita como um dos “20 Brasileiros empreendedores do Século XX”. A autora faleceu em 2003, no Rio de Janeiro.

10 frases de O Quinze para entrar no clima do livro

Algumas citações do livro podem te instigar a ter contato com a obra original. Essas frases também foram selecionadas para te ajudar a construir o cenário e o estilo de narrativa adotada pela autora. Confira:

“Desgraçado! Quando acaba, andam espalhando que o governo ajuda os pobres… Não ajuda nem a morrer!”

“Ô sorte, meu Deus! Comer cinza até cair morto de fome!”

“Por que, em menino, a inquietação, o calor, o cansaço, sempre aparecem com o nome de fome?”

“Soca um quarto de rapadura no bucho e ainda fala em fome! Vai dormir!”

“Chegara até a se arriscar em leituras socialistas, e justamente dessas leituras é que lhe saíam as piores das tais ideias, estranhas e absurdas à avó.”

“Conceição passava agora quase o dia inteiro no Campo de Concentração, ajudando a tratar, vendo morrer às centenas as criancinhas lazarentas e trôpegas que os retirantes atiravam no chão, entre montes de trapos, como um lixo humano que aos poucos se integrava de todo no imundo ambiente onde jazia.”

“E ao ver a sua casa, o curral vazio, o chiqueiro da criação devastado e em silêncio, a vida morta, apesar do lençol verde que tudo cobria, dona Inácia amargamente chorou, com a mesma desesperada aflição de quem encontra o corpo de alguém muito querido, que durante nossa ausência morreu.”

“E novembro entrou, mais seco e mais miserável, afiando mais fina, talvez por ser o mês de finados, a imensa foice da morte.”

“Mas também o Amazonas, hoje, não vale a pena… Nem ao menos borracha está dando dinheiro… E no Maranhão, pelo que dizem, é mesmo que ir buscar a morte…”

“Iam para o destino, que os chamara de tão longe, das terras secas e fulvas do Quixadá, e os trouxera entre a fome e mortes, e angústias infinitas”

O Quinze retratou uma parte da história brasileira pouco conhecida: a seca que acometeu o Ceará em 1915. Entrar em contato com essa literatura de Rachel de Queiroz é, por isso compreender também com maior abrangência questões históricas e sociais do Brasil.

Referências

O Quinze: contrastes e tensões – Julio Cesar Rodrigues Cattapan;

A perspectiva crítica em Rachel de Queiroz e em Graciliano Ramos – Lizandro Carlos Calegari; Vanderléia de Andrade Haiski;

Rachel de Queiroz – Academia Brasileira de Letras;

O Quinze: jogo digital baseado na obra homônima de Rachel de Queiroz – Danilo Almeida Felipe; Isaac B. B. Maia Lima; Virgínia Farias de Sousa; Paulyne Matthewx Jucá;

O Quinze: da palavra à imagem – Margarida Pontes Timbó.

Mateus Oka
Por Mateus Oka

Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.

Como referenciar este conteúdo

Oka, Mateus. O Quinze. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/o-quinze. Acesso em: 28 de March de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UFRS]

Leia o texto a seguir, extraído do romance “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, e considere as afirmações que se seguem.

“O sol poente, chamejante, rubro, desaparecia rapidamente como um afogado no horizonte próximo. Sombras cambaleantes se alongavam na tira ruiva da estrada, que se vinha estirando sobre o alto pedregoso e ia sumir no casario dormente dum arruado.
Sombras vencidas pela miséria e pelo desespero que arrastavam passos inconscientes, na derradeira embriaguez da fome.”

I. A descrição da paisagem estabelece uma comparação entre paisagens brasileiras e seus aspectos econômicos.
II. As imagens da terra assolada pela seca constituem um retrato das condições adversas a que estão sujeitos os habitantes daquela região.
III. A plasticidade da cena, expressa nas imagens de “sombras cambaleantes” e “sombras vencidas”, representa a luta do nordestino com a natureza hostil.

Quais estão corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas I e III.
d) Apenas II e III.
e) I, II e III.

Resposta: d

Justificativa: a citação retirada de O Quinze não faz uma relação da paisagem brasileira com a economia, mas descreve a terrível seca que ocorreu no Ceará em 1915 e se prolongou por quatro anos. Além disso, essa cena demonstra um dos aspectos descritos pela autora, sobre a luta da humanidade contra as adversidades da natureza.

2. [UFT]

Leia o fragmento de texto a seguir para responder a questão a seguir.

Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos vazios, na descarnada nudez das latas raspadas.
– Mãezinha, cadê a janta?
– Cala a boca, menino! Já vem!
– Vem lá o quê!…
Angustiado, Chico Bento apalpava os bolsos… nem um triste vintém azinhavrado…
Lembrou-se da rede nova, grande e de listras que comprara em Quixadá por conta do vale de Vicente.
Tinha sido para a viagem. Mas antes dormir no chão do que ver os meninos chorando, com a barriga roncando de fome.
Estavam já na estrada do Castro. E se arrancharam debaixo dum velho pau-branco seco, nu e retorcido, a bem dizer ao tempo, porque aqueles cepos apontados para o céu não tinham nada de abrigo.
O vaqueiro saiu com a rede, resoluto:
– Vou ali naquela bodega, ver se dou um jeito…
Voltou mais tarde, sem a rede, trazendo uma rapadura e um litro de farinha:
– Tá aqui. O homem disse que a rede estava velha, só deu isso, e ainda por cima se fazendo de compadecido…
Faminta, a meninada avançou; e até Mocinha, sempre mais ou menos calada e indiferente, estendeu a mão com avidez.
QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1979, p. 33.
“O Quinze”, romance de estréia de Rachel de Queiroz, publicado em 1930, retrata a intensa seca que marcou o ano de 1915 no sertão cearense. Considerando o fragmento apresentado, é CORRETO afirmar.
a) Ainda que publicado no início da década de 30, momento de intensas mudanças políticas e culturais no país, o romance liga-se estética e tematicamente às propostas literárias da primeira geração modernista.
b) Na narrativa, estreitamente ligada às propostas de denúncia social dos regionalistas de 30, destacam-se o drama da seca, a miséria e a degradação humana, marcantes em cenas como a do fragmento citado.
c) Apesar de se referir à seca que marcou o ano de 1915, o romance coloca em primeiro plano a violência e o desrespeito que marcam as relações sociais, independente das condições climáticas; exemplo disso é a relação de espoliação entre Chico Bento e o homem da bodega.
d) A linguagem utilizada pela autora, para construir o romance, aproxima-se da oralidade, conforme se vê no fragmento. Tal recurso é utilizado para se contrapor à escrita extremamente rebuscada de alguns modernistas da primeira geração, como Oswald de Andrade.
e) O fragmento apresenta um discurso moralizante, recorrente nos romances da segunda geração modernista, e destaca o drama vivido pela família de Chico Bento, diante das dificuldades de sobrevivência.

Resposta: b

Justificativa: a obra de Rachel de Queiroz, publicada em 1930, representa a segunda fase do modernismo brasileiro, marcado pelo seu regionalismo. Essa fase do modernismo visada fazer críticas sociais e denunciar a miséria humana. Assim, há uma diferença da obra com a primeira fase do modernismo. Além disso, a seca é um fator principal na narrativa, sendo que as relações sociais estão inseridas nesse contexto.

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