Materialismo histórico-dialético

O método de análise que revolucionou o pensamento filosófico e social da contemporaneidade. Conheça o materialismo histórico dialético.

Além de ser uma teoria, o materialismo histórico-dialético é um método de análise da realidade criado por Karl Marx e Friedrich Engels. Acompanhe a matéria para entender o funcionamento do método, seus princípios e características, além de conhecer autores que seguiram ou criticaram a teoria.

Publicidade

Entenda o que é o materialismo histórico-dialético

O materialismo histórico-dialético é o método de análise e descrição da realidade desenvolvido pelos fundadores do comunismo, Friedrich Engels e Karl Marx, no século XIX. Marx (1818-1883) foi um economista, filósofo e cientista político alemão; e Engels (1820-1895) foi biólogo, filósofo e empresário, também alemão. Os dois se conheceram oficialmente em Paris, em 1843. Parceiros de pesquisa, eles produziram incontáveis obras essenciais ao pensamento e desenvolvimento humano, como “O Manifesto Comunista“, “O Capital”, “A Ideologia alemã”, “A Sagrada família”, entre outros.

Relacionadas

Burguesia (ou Burguesias)
Apesar se estar associado à um termo bastante pejorativo nos dias atuais, um indivíduo pertencente à burguesia nem sempre foi visto dessa maneira. E entender isso significa pensar historicamente.
Capitalismo e Socialismo
Destacados principalmente durante o período da 2º Guerra Mundial, esses dois sistemas político-econômicos podem ser considerados opostos.
Consciência de classe
A consciência de classe é uma condição que retrata o pertencimento de um indivíduo a uma classe social e que, a partir disto, se mobiliza em torno da superação das estruturas de classe. Saiba mais!

Mais do que uma teoria (um modo de compreender o mundo), o materialismo histórico-dialético é um método, ou seja, uma ferramenta de análise e transformação da realidade concreta. Ele surgiu em um contexto muito propício: os séculos XVIII e XIX foram marcados por grandes discussões teóricas, que partem de Kant, dando início ao Idealismo Alemão, e todas as outras teorias que tentam confrontar esse posicionamento, entre elas, o marxismo. Além disso, os efeitos da Revolução Francesa ainda ecoavam e, cada vez mais, a Revolução Industrial mostrava a face do capitalismo, da exploração do ser humano pelo ser humano.

Marx e a “guinada materialista”

Como todo filósofo alemão da primeira metade do século XIX, Marx era um jovem hegeliano, ou seja, ele aceitava a tese de Hegel da leitura da realidade. Segundo a teoria dialética desse autor, há um zeitgeist (espírito de época, que aglutina as questões sociais, políticas, econômicas e culturais) responsável por fazer a população agir de determinada forma em cada período da história da humanidade.

Nessa época, Marx concordava com tal tese. No entanto, a partir das leituras mais aprofundadas de Spinoza e até mesmo dos filósofos gregos, como Aristóteles e Demócrito, Marx dá a chamada “guinada materialista” e critica a teoria hegeliana. Ele notou que o zeitgeist é uma concepção idealista, isto é, sem condições de explicar a materialidade do mundo em sua dinamicidade (ou seja, no próprio movimento dialético defendido por Hegel), porque considera as classes sociais como fixas. Mas nada é fixo no movimento dialético.

Quando Marx conheceu Engels e seu texto “A situação da classe trabalhadora da Inglaterra”, ambos pensadores avançaram na formulação da nova teoria e do método. A partir daí, os intelectuais se voltam às questões de classe para fundamentarem a crítica à economia política vigente (trabalho que se transformará no majestoso “O Capital”).

Publicidade

Para Marx e Engels, a categoria “classe social” não é fixa, como na teoria de Hegel, tampouco carece de substancialidade. Em outros termos, classe social é uma categoria preenchida por indivíduos concretos (homens e mulheres) e deve ser entendida em sua historicidade e em seu contexto social (no Brasil, por exemplo, é possível pensar que a classe trabalhadora é composta majoritariamente por homens e mulheres negros). Assim, começa-se a definir os princípios do materialismo histórico-dialético como método de análise da realidade.

Os princípios do método marxista

Primeiramente, é importante entender que não existe, para Marx e Engels, uma separação entre materialismo histórico e materialismo dialético. Essa discussão aconteceu entre os pensadores marxistas no início do século XX, porém, atualmente, já é patente a indissociabilidade entre a história e a dialética, pelo menos dentro do método marxista. Ainda, o método marxista é contrário às interpretações metafísicas (no sentido de abstração de conceitos). Isso posto, entenda os princípios do método:

  • Princípio materialista: esse princípio se opõe ao idealismo, sobretudo hegeliano. O materialismo marxista entende todo o universo e seu desenvolvimento a partir da matéria em todos os níveis. Não só no inorgânico (o surgimento do universo, do cosmo etc.), mas também no orgânico, a vida na Terra e o desenvolvimento da humanidade. Segundo o princípio materialista, o ser humano só se tornou ser humano por causa das relações materiais que existem entre si e entre a natureza. Contrariamente ao idealismo, para o materialismo, são as relações materiais em sua historicidade que determinam a consciência. Por fim, o desenvolvimento econômico, político e social só ocorre por conta das transformações materiais entre as forças produtivas.
  • Princípio histórico: já o princípio histórico tem a ver com compreender todo o desenvolvimento propiciado pela materialidade das relações em seu caráter histórico. Nenhum produto da humanidade está solto no mundo, nada é atemporal ou a-histórico. Todos os bens produzidos pela humanidade (conhecimento intelectual e desenvolvimento tecnológico) são produzidos na e por causa da história. Como a classe social é uma categoria importantíssima ao marxismo, para os autores, a História é a história da luta de classes em um movimento dialético.
  • Princípio dialético: enfim, o princípio dialético parte da dialética hegeliana, que consiste em três momentos: tese, antítese e síntese. Em Hegel, no entanto, o movimento dialético é metafísico e não se aplica à realidade concreta. Marx, ao assumir a dialética em seu método, faz a inversão materialista e concebe a dialética como o automovimento da realidade, que contém contradições não só externas, mas também internas. Dessa forma, a dialética marxista é o movimento de assumir a contradição inerente a todos os fenômenos, a fim de compreendê-los em sua complexidade. Um exemplo disso é quando se olha para qualquer produto, como uma cadeira. Pode-se pensar que a cadeira é e não é uma cadeira. A negação marxista não diz respeito às questões idealistas, como pensar que poderia existir a cadeiridade da cadeira (ou seja, sua essência), mas sim porque compreende que por trás desse fenômeno (a cadeira) existe a força de trabalho, a exploração, o lucro e todos os mecanismos que engendram o sistema.

É por isso que esses três princípios são indissociáveis. Não é possível, para Marx e Engels, ler a realidade sem considerar sua materialidade, sua historicidade e sua dialética.

Publicidade

Características do método

A seguir, veja algumas características da teoria do materialismo histórico-dialético, bem como sua utilização para problemas que aparecem na sociedade capitalista.

  • Posicionamento oposto às correntes idealistas: a teoria marxista é contrária a qualquer tipo de filosofia idealista; isso significa assumir que as bases ontológicas (o que fundamenta a teoria em relação ao ser) marxistas serão sempre opostas às teorias de filósofos como Platão, Leibniz, Kant e Hegel.
  • Defesa da luta de classes: como visto, as classes sociais não são fixas para Marx. Assim, o autor defende que a classe trabalhadora, explorada pela burguesia, deve – por meio de uma revolução – lutar contra seu algoz, o sistema capitalista, que se mantém às custas da exploração e subjugação do homem pelo homem.
  • Desmistificar a mercadoria: com o método materialista histórico-dialético, é possível desmistificar a mercadoria e quebrar seu fetiche. O fetiche da mercadoria é o fenômeno que ocorre quando alguém compra determinado produto e não consegue enxergar as relações materiais (de trabalho e exploração) que existem na constituição do mesmo. Independentemente do produto, desde uma obra de arte mercantilizada até um celular.
  • Combate à alienação: ao aplicar o método do materialismo histórico-dialético para analisar a realidade, os sujeitos poderão compreender as reais relações que compõem o sistema capitalista e, assim, poderão transformar tal realidade. Não só as relações de exploração, mas do trabalho em geral, haja vista que, no processo de formação do Capital, o homem se tornou alienado do seu trabalho e de si mesmo. Diferente de outras épocas, em que o processo de produção de determinado produto era inteiramente conhecido pelo trabalhador, a partir da modernidade, o processo foi fragmentado, tornando-se desconhecido (alheio) àquele que o produz.
  • Defesa da liberdade e da emancipação humana: por meio desse método, Marx e Engels consideram possível criar uma sociedade em que os homens sejam livres e emancipados, sem exploração e subjugação, na qual as forças produtivas produzirão os bens para a humanidade em equidade, ou seja, cada um de acordo com a sua necessidade e especificidade.

Diferentemente do que se pensa no senso comum, o comunismo marxista não é um sistema no qual todos recebem o mesmo salário, vestem as mesmas roupas etc. Ao contrário, é um sistema justo, em que cada um tem suas necessidades básicas garantidas e todos têm acesso ao acúmulo de conhecimento e tecnologia produzido pela humanidade. O materialismo histórico-dialético, portanto, é o método que permeia toda a teoria marxista.

O materialismo histórico-dialético no século XX-XXI

O debate e a disputa entre as filosofias idealistas e materialistas não é mais o centro da discussão filosófica, como foi no século XIX e início do século XX. A influência, entretanto, do pensamento e do método marxista é extremamente pungente até os dias atuais. Diversos autores ainda usam a base marxista para fundamentarem suas teorias, ao passo que outros já teceram críticas. A seguir, conheça alguns deles:

György Lukács

Talvez um dos últimos filósofos marxistas de grande envergadura, Lukács (1885-1971) foi um pensador húngaro autor de incontáveis obras, sendo a mais conhecida “A Ontologia do ser social”. Lukács foi responsável por fundamentar, dentre outros, o conceito de ser social e de trabalho como categoria ontológica.

Ontologia é o ramo da filosofia que estuda as questões relativas ao ser (também a substância) e tudo que o constitui. Para Lukács, “trabalho” é uma categoria ontológica, ou seja, ele constitui o ser. É preciso diferenciar esse trabalho do trabalho-emprego (em que a pessoa recebe um salário, por exemplo) e entender tal categoria como “atividade” do ser (aqui, fala-se do homem primitivo).

Esse ser que age não é qualquer ser, mas, sim, o ser social, um estágio do ser orgânico (organismos vivos, no caso da humanidade, o homo sapiens), que sofreu um salto ontológico. Em outras palavras, o ser social aconteceu quando o homem agiu na natureza com alguma intenção (derrubar uma árvore para fazer uma ponte, fazer fogo etc.) e a transformou em seu benefício.

Esse é o trabalho ontológico, a atividade humana que permitiu a evolução da espécie. Mas o trabalho não é a única categoria que constitui o ser social, é preciso que exista também a reprodução e a ideologia. Para Lukács, reprodução é a capacidade do ser de reproduzir e transmitir para os outros e para as gerações futuras o conhecimento acumulado. Já a ideologia é o conjunto de ideais que guiará determinado grupo. E, obviamente, a coletividade, porque o ser é social e só pode existir em sociedade (quando um homem primitivo se perdia de seu grupo, era muito comum que ele morresse por não ter força suficiente para lutar contra outros animais).

Pelo fato de a categoria do trabalho ser tão cara ao marxismo, estuda-se tanto sobre as mazelas do capital. A atividade é o que possibilitou a existência da humanidade tal qual se conhece hoje. Assim, viver em um sistema alienador torna essa atividade estranha, bem como negar sua apropriação ao indivíduo é cruel e desumano, em sentido estrito da palavra, haja vista que desumaniza (tira a humanidade) algo que é criação humana.

Hannah Arendt

Uma das filósofas mais expressivas do século XX e grande crítica do marxismo. Arendt (1906-1975) foi aluna de Heidegger e, por isso, identificava-se muito mais com a corrente idealista do que com a materialista. Além disso, ela foi perseguida pelo regime nazista e isso influenciou seus estudos sobre os regimes totalitários. Dessa forma, além de Hitler, a filósofa também criticou o regime totalitário de Stalin na União Soviética, que, segundo ela, faria parte do que Marx e Engels denominaram de Ditadura do Proletariado (momento anterior à Revolução).

Michel Foucault

Outro grande nome da filosofia do século XX, Foucault (1926-1984) foi um pensador de esquerda que centrou sua teoria na questão do Poder e não nos aspectos econômicos, como Marx e Engels. Para ele, a centralidade do poderio capitalista é garantida pelo Estado burguês. Diferente de Marx e Engels, para Foucault, o Estado não é apenas a manutenção das relações de produção e exploração, mas também (e principalmente) de vigilância e disciplinarização dos corpos das pessoas, o que cria os chamados corpos dóceis.

Essa vigilância é um mecanismo que não focaliza o poder em um único lugar, ao invés disso, ele dissemina o poder em diversas instituições de confinamento, responsáveis por vigiar os corpos e cercear a liberdade das pessoas, tais como: a escola, a prisão, o quartel, o hospital, a fábrica e o hospício. Segundo Foucault, essas instituições existem para manter o bom funcionamento do capitalismo. Dessa forma, para o filósofo, apenas a luta de classes não será suficiente para destruir esse sistema. É preciso, também, a quebra desse modelo de instituição e desse conceito de poder.

Muitos outros filósofos seguiram a corrente marxista ou parte dela, como: Theodor Adorno, Walter Benjamin, Antonio Gramsci, Rosa Luxemburgo, Angela Davis etc.

Para não restarem dúvidas

Nestes três vídeos, você verá alguns dos conceitos da teoria marxista em detalhes. Além disso, há a diferença entre o idealismo hegeliano e o materialismo marxista. Assista!

Introduzindo o materialismo histórico dialético

Esse vídeo do Sociologia Animada é bem introdutório e muito perspicaz para entender rapidamente o que é o método. A explicação parte da dialética hegeliana até chegar na virada materialista.

Classe social e método: definindo conceitos

O vídeo do canal Sociologia com Gabi é mais detalhado e explica melhor o método. Ela apresenta uma citação de Marx sobre a determinação social advinda da classe social. A partir disso, Gabi aprofunda a explicação sobre o pensamento marxista.

Marx e Engels contra Hegel

No vídeo do canal Boteco Humanístico, você poderá entender com ricos detalhes as diferenças entre os pensamentos de Hegel e de Marx e Engels. Também há explicações sobre o conceito de zeitgeist, o espírito absoluto e alienação em Hegel, fazendo um contraponto com as teorias marxistas.

Nessa matéria, você aprendeu sobre um dos métodos filosóficos mais importantes da filosofia contemporânea. Gostou do tema? Confira também a Revolução que deu origem à classe burguesa: A Revolução Francesa.

Referências

A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas – Karl Marx e Friedrich Engels (2007).
O 18 de Brumário de Luís Bonaparte – Karl Marx (2011)
Manuscritos Econômicos Filosófico de 1844 – Karl Marx (2014)

Marilia Duka
Por Marilia Duka

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá em 2016. Graduada em Letras Português/Francês na Universidade Estadual de Maringá em 2022.

Como referenciar este conteúdo

Duka, Marilia. Materialismo histórico-dialético. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/filosofia/materialismo-historico. Acesso em: 29 de March de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [NUCEPE 2015 - adaptada]

O materialismo histórico dialético é o método de análise da sociedade criado por Karl Marx, um dos clássicos da Sociologia. A respeito desse método, é possível afirmar que:
a) o materialismo explica que as condições materiais de existência não são fatores determinantes para o modo de ser e pensar de cada um.
b) a sociedade e a política surgem da ação da natureza e não da ação concreta dos seres humanos no tempo.
c) o materialismo explica que são as relações sociais de produção que determinam o modo de ser e pensar de cada indivíduo. É um modo histórico, já que a sociedade e a política surgem da ação concreta dos seres humanos no tempo.
d) a História é um processo contínuo e linear, logo a realidade é estática e o movimento da história possui uma base material e econômica, mas não obedece a um movimento dialético.

Alternativa C é a correta.

Justificativa: conforme explicado, a base materialista significa a primazia da matéria em detrimento da consciência dos indivíduos.

2. [(UFSJ)]

Para Caio Prado Jr., A observação de Engels: “O núcleo que encerra as verdadeiras descobertas de Hegel… o método dialético na sua forma simples em que é a única forma justa do desenvolvimento do pensamento”, revela

A) a herança da dialética hegeliana assumida por Karl Marx.
B) a filosofia de Marx com sua herança escolástica partilhada por Hegel.
C) a perspectiva dialética do Homem, que permite considerá-lo capaz de conceituar termos científicos no aspecto ou feição do Universo.
D) o tema central da filosofia, a saber, o desenvolvimento da dialética do ser humano, fator determinante do existencialismo contemporâneo.

Alternativa A é a correta.

Justificativa: Marx e Engels foram jovens hegelianos e, portanto, fortemente influenciados pela filosofia de Hegel. A dialética foi uma das grandes apropriações marxistas, com a diferença da virada materialista.

Compartilhe

TOPO